domingo, 31 de agosto de 2008

Cap 32 - Visita social

Alguns policiais acompanharam Bia Lacerda até uma sala. Alguns minutos depois, Renatinho Gordo foi conduzido ao mesmo recinto.
- Já estava com saudades, repórter!
- Por que me chamou aqui.
- Em poucos minutos, esses caras vão me colocar em uma cela comum. Por enquanto eu estou isolado, mas daqui a pouco eles vão me colocar com outros presos.
- E aí você morre.
- É. E isso não vai ser bom nem para mim nem para você.
- Então me conta o que eu quero saber.
- Primeiro você me consegue uma cela especial – disse o Gordo.
- Eu não sou promotora, sou só jornalista.
- Então tudo o que eu sei vai morrer comigo.

Bia se afastou. Puxou uma pequena agenda do bolso e vasculhou todos os nomes sem achar um que pudesse lhe ajudar. Desesperada, ligou para Santa Cecília.
- Preciso de sua ajuda – disse Bia. – É urgente.

Cap 31 - Nove da noite

Já era noite e Cosme Fagundes ainda não tinha dado retorno de seu almoço com a fonte. Ele havia pedido a tarde de folga, mas já deveria ter voltado para o jornal. Catarina Casaverde ligava insistentemente para seu celular, mas ninguém atendia.

Fagundes despertou em sua casa. Estava tudo apagado e sua cabeça doía muito. O telefone tocava e a campainha tocava. O chefe de reportagem se levantou de sua cama, sem saber ao certo porque estava em casa. Só lembrava de ter saído do jornal e ido a um restaurante próximo e mais nada.

No caminho para fora do quarto, Fagundes tropeçou em algo. Na porta de casa, alguém chamava por ele e insistia que ele abrisse depressa. Cosme acendeu a luz e quase caiu para trás quando viu em que tinha tropeçado. Uma mulher nua estava morta no chão e ele e o quarto estavam sujos de sangue. Uma faca estava jogada em um canto. Fagundes, sem pensar correu dali e abriu a porta de casa. Quando olhou, alguns policiais já o aguardavam.

Cap 30 - Emergência

No hospital, todos estavam ansiosos. Juliana Hosenfeld se sentia culpada por ter levado Pacheco Filho para o flagrante de Renatinho Gordo. Lincoln Albuquerque pensava no caminho errado que as investigações do jornal tinham tomado. Matias Pacheco, pai do estagiário, apenas torcia para que o filho ficasse bem.

Algumas horas depois, Pacheco Filho despertou. O tiro pegara de raspão no pescoço do estagiário, que desmaiou com a perda de sangue.

- Pai – disse ele – me desculpe...
- Não se preocupe, garoto, apenas trate de ficar bem.
- Como está se sentindo?, perguntou Lincoln.
- Como um pano de chão sujo.

O diretor de redação riu e saiu do quarto. Matias foi atrás dele.
- Lincoln... Nós somos amigos há quanto tempo?
- Não sei... Uns quinze anos, eu acho...
- Então você sabe que pode confiar em mim. Eu não vou processar o jornal pelo que aconteceu. O garoto está bem, não se preocupe.
- Eu... Eu não achei que você ia processar o jornal. Você realmente pensou nisso? A culpa é do seu filho. Ninguém mandou ele ir atrás da polícia.
- Tudo bem. Não vou processar... Fica tranqüilo.
- E o que vai fazer?
- Vou aconselhar que ele mude de faculdade. Sejamos sinceros... Ele nunca teve jeito para ser jornalista mesmo.
- Acho que você deveria perguntar para ele se ainda quer ser jornalista. Ele pode ter tido uma epifania com isso tudo.
- Pode ser, mas eu duvido.
- Me mantenha informado. Eu preciso voltar para o jornal, já está tarde.

No quarto, Juliana se despedia do colega.
- Ei, Pacheco... Lembra que eu falei que não seria uma boa idéia sairmos juntos... Se você melhorar logo eu posso repensar meus conceitos.
- Vou melhorar – riu o estagiário.

Juliana beijou a testa de Pacheco e correu para pegar uma carona com Lincoln.
- Onde pensa que vai?, questionou o diretor de redação.
- Voltar para o jornal... Ainda temos muito trabalho...
- Não, Juliana. Foi uma grande irresponsabilidade o que você fez. Eu sei que a idéia foi sua e você nem deu satisfações para a Catarina. Vocês poderiam ter morrido lá!
- Mas nada aconteceu...
- Nada? Lamento, Juliana, mas eu vou ter que dispensar seus serviços como estagiária. Você tem muito potencial, mas precisa criar mais responsabilidade. Eu vou fazer uma carta de recomendação para qualquer outro jornal, mas no Primeira Página você não poderá continuar.
- Lincoln...
- Dê um tempo, fique de molho. Quando se formar, me procure outra vez. Talvez eu tenha uma vaga em uma editoria mais calma.

Cap 29 - Telefonema

Sem saber ao certo como recomeçar sua investigação, Bia pediu para que os contínuos lhe conseguissem as cópias dos documentos a que Santa Cecília teve acesso na época da prisão do filho de Paglia. Mas antes que o material chegasse, seu telefone tocou.

- É a repórter com quem eu falei mais cedo?, perguntava uma trêmula voz do outro lado da linha.
- Renatinho Gordo?
- Olha só, dona, não desliga porque essa é a única ligação que eu tenho. Lembra quando eu disse que não tinha nada a ganhar te ajudando? Isso mudou. Eu fui preso.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Cap 28 - Flagrante

A Polícia Federal preparara uma emboscada para um atravessador de drogas. Diziam que era alguém ligado ao tráfico no Complexo do Alemão. Quando o carro passasse por um posto de pedágio seria cercado e o motorista preso em flagrante.

Juliana Hosenfeld e Pacheco Filho conversavam, próximo de onde os policiais fariam a prisão.
- Ju, eu estava pensando… Você não gostaria de sair um dia desses, tomar uma cerveja, sei lá.
- Pacheco, você sabe o que eu penso de sair com gente do trabalho. Por que a gente não finge que essa conversa nunca aconteceu, hein?

Renatinho Gordo dirigia um Gol de modelo antigo. O porta-malas tinha um fundo falso, cheio de cocaína. O trabalho era simples: sair do Rio e deixar tudo em São Paulo. A parte mais difícil era a volta, quando o porta-malas vinha com dinheiro.

Quando o carro de Renatinho se aproximou do pedágio, ele achou estranho a movimentação dos policiais, mas tinha quase certeza de que não era nada demais. Só para garantir, tirou uma pistola do porta-luvas.

O Gordo pagou o pedágio e a cancela abriu. Quando o Gol ia arrancar, policiais cercaram o veículo. Juliana e Pacheco observavam logo atrás.

Acuado, Renatinho puxou a pistola e atirou sem jeito contra um policial. Juliana se assustou com o tiro e se jogou no chão. Assim que abriu os olhos, viu Pacheco Filho caído ao seu lado e uma poça de sangue que se formava.

Cap 27 - O deputado

Santa Cecília, Ramos, Lincoln e Chico Antônio voltaram para o jornal. Nada falaram no caminho, ainda um pouco incomodados pela morte de Braddock e Bronson. Assim que entraram na redação, cada um decidiu correr para adiantar o que ficara atrasado nas últimas horas desperdiçadas.

Quando Lincoln entrou em sua sala, se surpreendeu com um homem de terno, de pé, olhando para a rua pela janela. Carlos observava de longe, os dois conversaram por alguns minutos até que o colunista foi chamado à sala do amigo.
- Carlinhos, esse aqui é o deputado…
- Eu sei quem ele é — interrompeu Santa Cecília.
- Ele quer falar com você sobre…
- Pode nos dar licença — cortou novamente Carlos.

O deputado sentou-se em uma das cadeiras. Santa Cecília permaneceu de pé.
- É um prazer conhecê-lo, Santa Cecília. Leio sua coluna diariamente.
- Então — disse Carlos abrindo um sorriso — sabe que eu não gosto de você.
- Sim, eu sei, mas é porque nunca tivemos a chance de sermos apresentados. Na verdade, queremos as mesmas coisas… queremos o melhor para o Rio de Janeiro.
- Você só quer o melhor para você. E eu também não sou altruísta. O que você quer aqui?
- Nós temos um amigo em comum.
- Deixa eu adivinhar quem é… Por acaso ele tem dupla cidadania e foge para a Itália toda a vez que suja as calças?
- Acho que esta é uma das descrições mais interessantes que ouvi de Armando Paglia.
- Pois bem. Avise a Dom Armando que eu não vou sair da cola dele.
- Eu vim aqui pedir que, como uma favor pessoal a mim, você se afastasse de Armando, mas já que você está tão obcecado com a história tenho um convite a lhe fazer. Armando Paglia chega amanhã, às duas e quinze da tarde, no Galeão. Por que não vai lá para dar as boas-vindas pessoalmente?
- Eu não entendi… Você está me ameaçando? Porque isso não pareceu ameaça…
- Eu só quero o melhor para mim, você e Armando. Vamos seguir caminhos diferentes que tudo se resolverá.

O deputado saiu da sala de Lincoln, deixando Carlos sozinho, que anotava o horário do vôo de Paglia.

Cap 26 - Roma

Em Roma, Armando Paglia se despedia dos companheiros na prisão. Fora preso por um descuido. Enquanto a investigação de Santa Cecília o colocara contra a parede no Brasil, uma operação da Receita Federal italiana constatara fraude em suas empresas no país. Sem saber, Paglia foi preso assim que colocou os pés na Itália, fugindo da perseguição da imprensa brasileira.

Nunca se queixara de estar preso. As condições dos presídios europeus são muito superiores às de carceragens brasileiras. Mas durante seus dez anos de hospedagem forçada, seu filho morrera no Brasil. No decorrer de uma rebelião, os outros presos o fizeram de refém e o mataram, exigindo que novos colchões fossem colocados nas celas.

Armando Paglia sabia que parte da culpa era dele, que deixara o filho seguir seu caminho no crime organizado. Sabia também que parte da culpa era do próprio garoto, que apesar de muitas oportunidades de se afastar dos negócios da família preferiu o poder que o dinheiro ilícito traz. Mas era mais fácil culpar Carlos Santa Cecília, que motivou a imprensa a fazer uma caça às bruxas contra a família Paglia.

Um carro o buscou na porta do presídio e o levou direto para o aeroporto. No caminho, ele não quis parar para comer, para comprar roupas novas ou para usufruir dos serviços de uma prostituta. Armando só tinha uma coisa em mente: voltar para o Brasil e fazer com que Santa Cecília se arrependesse de ter escolhido ser jornalista.

Cap 25 - Impulso

Da equipe, apenas Catarina Casaverde, Juliana Hosenfeld e Pacheco Filho estavam no Primeira Página na hora do almoço. Catarina se revezava como editora, chefe de reportagem e diretora de redação, cobrindo os buracos deixados por Fagundes e Lincoln. Juliana e Pacheco procuravam informações para fazer pequenas notas que preencheriam lacunas na edição do dia seguinte.

Eles ligavam para os bombeiros em busca de um incêndio, para a assessoria do governador em busca de uma declaração surpreendente e para os hospitais em busca de casos graves. Em geral, não conseguiam nada de muito relevante.

Passava da uma da tarde quando o telefone tocou. Um homem que se identificara como amigo de Bia procurava pela repórter. Juliana atendeu. Ele dizia que tinha uma pauta para ela, que policiais fariam uma apreensão de drogas em uma rodovia federal. Ela agradeceu.

- Pacheco, não comente nada com a Catarina, mas eu acho que temos uma boa chance de mostrar serviço — disse Juliana.
- O que foi?
- Apreensão de drogas. Topa?

Normalmente, o estagiário diria que não. Além de não gostar de violência e da companhia de policiais, era avesso ao impulso, ao imediato. Mas como era um pedido de Juliana ele cedeu. Era a oportunidade de ficarem um tempo juntos for a da redação.

Saíram do jornal sem contar para Catarina onde realmente iam.

Cap 24 - Complexo do Alemão

Enquanto se aproximava do Complexo do Alemão, Bia Lacerda pensava que já deveria estar acostumada a entrar em favelas. Quem cobre Cidade inevitavelmente acaba seguindo a polícia em operações contra traficantes. E quem, como ela, quer se tornar uma referência no jornalismo, precisa aprender a correr riscos e entrar sozinho na toca das serpentes.

A repórter combinara com Fátima Macedo, uma antiga colega de faculdade que trabalhava em uma organização não governamental na favela. Era filha de um milionário, estudara na Europa na infância e abandonou tudo para tentar entender melhor as necessidades dos acuados pelo sistema. Fátima a levaria até um bar onde Renatinho Gordo jogava sinuca.

O estabelecimento era especialmente assustador. Num muro, marcas de balas denunciavam que inimigos do comando eram executados sem muita cerimônia. Um garoto sentado em um canto dava peteleco em bolinhas de gude. Na outra mão, um tresoitão.

-Renatinho tomava cerveja encostado no balcão. Fátima foi até ele e o chamou para ir à sede da ONG. Lá, Bia se apresentou.
- Então uma repórter teve a audácia de entrar na nossa área — desafiou o Gordo.
- Não é bem isso, Renatinho. Não tenho intenção de prejudicar ninguém. Só gostaria que você confirmasse uma informação para mim.
- Uma informação? E o que eu ganho com isso?, perguntou Renatinho, passando a mão na cintura da repórter.
- Eu sei que esta não é a sua preferência… Que você gosta de carnes mais macias… Se você me ajudar eu não conto para ninguém que você está aqui.
- Você acha que me ameaça? Eles sabem que eu estou aqui. Ninguém mexe comigo porque não é macho o suficiente! O que você quer saber afinal?
- Se foi Armando Paglia quem te contratou para seqüestrar Ana Santa Cecília.
- Você está me acusando de alguma coisa?
- Por favor, Gordo, não se faça de vítima. Você matou Cícero Andrade porque ele ajudou a Ana a sair do morro. Obviamente estava envolvido no seqüestro.
- Eu nem sei de quem você está falando…
- Da mulher do jornalista! A que estava grávida!

Renatinho Gordo andou de um lado para o outro coçando a cabeça.
- Eu tenho uma notícia boa e uma notícia má. A boa é que eu me lembro dessa história. A má é que eu não vou te contar nada, porque eu não ganho nada com isso — e saiu rindo.

Cap 23 - Cena do crime

Lincoln saiu do carro bufando, mas mesmo sem fôlego, acendeu um cigarro. Carlos Santa Cecília estava encostado no carro da polícia, enquanto Ramos conversava com os soldados.
- Carlinhos — disse o diretor de redação arfante — como é que você está?
- Estou bem… Já não posso falar o mesmo do Braddock e do Bronson.
- Meu Deus, Carlinhos. Você poderia ter morrido!
- Na verdade, não. Alguém veio aqui e matou os seguranças. Se quisesse, entrava na minha casa e me matava também. Além disso, se o Armando não me matou em dez anos é porque ele quer me matar pessoalmente. Desta forma, eu só devo morrer amanhã.
- Não brinca com isso…

Um dos policiais se aproximou de Santa Cecília.
- Bom, doutor, nós conversamos um pouco com o seu amigo da Polícia Civil e chegamos à conclusão de que o senhor não é suspeito. Mas por que o senhor precisa de seguranças? E quem mataria eles?
- Se você quer saber, eu preciso de seguranças porque estão querendo me matar. E quem os matou é problema de vocês.
- Se alguém te ameaçou de morte, por que não presta queixa?
- E acabar com toda a diversão? Não, obrigado.
- Então, é problema seu!

- O policial está certo — argumentou Lincoln. — Vá até uma delegacia e preste queixa.
- Baseado em quê? Em uma carta sem assinatura de alguém dizendo que está com saudades de mim?

O carro do Primeira Página estacionou na esquina de Santa Cecília. Chico Antônio saltou, cumprimentou Lincoln e Carlos e começou a preparar os equipamentos.
- Quem te chamou aqui?, indagou o diretor de redação.
- O Santa Cecília, quem mais?, rebateu o fotógrafo.
- Escute aqui, Chico — recomendou Carlos. — Faça umas fotos dos corpos e das armas que estão na caçamba. Será interessante mostrar que algum assassino de aluguel matou os seguranças e não levou o pequeno arsenal que eles guardavam.
- Mas isto está longe da nossa linha editorial, Carlinhos — contrariou Lincoln.
- Faça o que quiser. Venda para os jornais sangrentos, coloque em um porta-retrato, mas eu quero todas as etapas deste caso com imagens bem coloridas.
- E quanto ao italiano?, perguntou Lincoln ao fotógrafo.
- Que italiano?, interrompeu Carlos.
- Depois te explico — adiou o diretor de redação.
- Consegui uma ótima imagem dele — respondeu Chico Antônio. — Mas ele já estava esperando… E disse que o Armando mandou um abraço para você, Santa Cecília.

Cap 22 - Renatinho Gordo

Bia Lacerda sabia de uma coisa: não seria fácil encontrar Renatinho Gordo. E mesmo se ela o encontrasse, certamente ele não cooperaria, mas ela precisava tentar. A repórter foi até o morro em que Ana Santa Cecília fora mantida cativa e procurou o presidente da associação de moradores.
- Ele não mora mais aqui, não senhora — disse o pernambucano suspeito de envolvimento com o tráfico.
- Mas ele está vivo?
- Vivo está, mas não por muito tempo.
- O que quer dizer?
- Ouvi uma história aí de que ele estaria jurado de morte. Sabe como é, mexeu com a mulher errada.
- A mulher de um traficante?
- Pior, senhora, a filha de um traficante. O Renatinho Gordo gosta mesmo é de criança, na faixa de uns doze anos. Prefere menino, mas gosta de menina também.
- Ele é pedófilo?
- Se é pedófilo eu não sei, mas ele gosta de criança, se é que a senhora me entende. Foi por isso que ele foi expulso daqui. Geralmente, os moradores abaixam a cabeça para o pessoal do movimento, mas o Gordo arregaçou um garotinho. Aí os moradores ficaram roxos e foram atrás… Iam fazer uma passeata ali na avenida, mas os traficantes deram uma surra nele e o expulsaram.
- E para onde ele foi?
- Foi para este morro aqui do lado… É de facção rival, mas ninguém do movimento daqui ia aceitar ele depois de ter feito o que fez. O chefe do morro vizinho o acolheu e ele foi lá e mandou ver com a filha do cara.
- E ela está bem?
- Não, senhora. Graças a Deus morreu. Imagina a menina vivendo com a imagem daquele gordo nojento debruçado em cima dela…
- Onde eu acho o Renatinho agora?
- Ele sumiu daqui. Dizem que está lá no Complexo do Alemão, num pedaço que um primo dele controla. Dizem que faz transporte de drogas para São Paulo ou sei lá para onde. Mas ele não pode dar bobeira… Se pegarem ele um dia desses, vão cortar o pirulito fora… Me desculpe a grosseria, senhora.
- Complexo do Alemão?
- Mas a senhora nem pense em ir lá. O lugar é perigoso. E além do mais, o Renatinho Gordo não vai querer falar contigo. Você é muito velha para ele — e soltou uma larga gargalhada.

domingo, 24 de agosto de 2008

Cap 21 - Chico Antônio

Chico Antônio já estava há mais de uma hora parado no calçadão da Avenida Atlântica. Tudo bem que foi preciso acordar cedo para ir a Olaria, mas ficar a manhã toda debaixo do sol na beira da praia o estava deixando irritado. Já tomara duas águas de coco, mas o calor não dava trégua.

Tudo o que ele tinha era uma descrição. Pacheco Filho ouvira de um policial italiano que Gianni Tomasi era alto, forte, mas não musculoso, e tinha um bigode volumoso. Podia ser apenas o palpite de um fotógrafo acostumado a cobrir crime, mas Chico tinha certeza de que o italiano parrudo não tinha mais bigode.

Um homem saiu do hotel onde Juliana Hosenfeld garantira que Tomasi estava hospedado. Ele se encaixava perfeitamente na descrição, exceto pelo bigode, obviamente. Chico o seguiu por um quarteirão, até uma loja de calçados. O homem tinha sotaque gaúcho, não era o capanga de Armando.

Chico voltou correndo para a porta do hotel, apenas tempo suficiente para ver outro homem que se encaixava na descrição que Pacheco lhe dera pegar um táxi. O fotógrafo correu até o carro do Primeira Página, onde Seu Soares, o motorista, quase cochilava.

Os dois seguiram o táxi por quinze minutos, até que o provável Tomasi saltou em um shopping de Botafogo. Chico correu para o shopping, tentando se adiantar ao grande italiano. Parou próximo a uma escada rolante e quando Gianni se aproximou, Chico fez a foto.

Tomasi sorriu, ajeitou o cabelo e perguntou, em um português muito acentuado:
- Quer bater mais uma? Mande um abraço de Dom Armando Paglia para Carlos Santa Cecília.

Cap 20 - Balanço do primeiro dia

Quando Lincoln Albuquerque chegou à redação, se surpreendeu. Não só Cosme Fagundes e Catarina Casaverde já estavam, como Bia Lacerda e os estagiários também. Carlos Santa Cecília ainda não havia chegado, mas se este chegasse antes do almoço já era grande coisa.

- Posso falar com você, Lincoln?, perguntou Fagundes.
- Claro, rapaz, entre. Em que pé estamos?
- Acho que a coisa já progrediu bem. Juliana e Pacheco têm uma pista de um possível capanga do Armando. É um italiano que estava preso com ele. O Chico Antônio está na rua tentando uma foto do cara.
- E a Beatriz?
- A Bia entrou em contato com a viuva do cara que ajudou a mulher do Santa Cecília a escapar do seqüestro. Ela deu um nome, que a Bia está checando. Acho que é um bandido, mas a gente nem sabe se ele ainda está vivo.
- Catarina?
- Ela está atualizada. Passou uns contatos para ajudar a Bia e está tentando falar com o Santa Cecília.
- Isso é impossível. Ele só fala comigo — riu o diretor de redação. — E você?
- Achei que nunca ia perguntar… Recebi um telefonema, não sei de quem, mas citou uma de minhas melhores fontes. Disse que queria falar comigo, me passar umas informações. Será que eu posso tirar a tarde de folga? Se não for nada eu volto depois do almoço…
- Tudo bem, pode ir. Eu fico na chefia de reportagem hoje.
- Obrigado, Lincoln.

Assim que Fagundes saiu de sua sala, Lincoln pegou o celular para ligar para Santa Cecília. Chamou, chamou e ninguém atendeu. Caiu na caixa postal. Até que o colunista atendeu.
- Carlinhos, eu já estava preocupado. O pessoal do jornal quer falar com você. Como é que é? Meu Deus, eu não acredito… Estou indo te encontrar!

Cap 19 - First blood

Carlos acordou mais cedo que o de costume. Eram dias importantes e ele não podia se dar ao luxo de perder valiosas horas dormindo. Foi até a porta e pegou os jornais. Assinava três diários do Rio, mais dois de São Paulo, dois de economia e um de esporte. Destes, lia apenas o Primeira Página e mais um, além de algumas outras matérias esporadicamente. Quando abriu a porta, ainda viu a pick-up preta com Braddock e Bronson do lado de dentro, ainda observando sua casa por trás dos óculos escuros. Ramos já ia chegar para acompanhá-lo ao jornal.

Carlos voltou para dentro, tomou um banho rápido e se arrumou. Passou os olhos pelas capas dos jornais, separou alguns cadernos para ler no caminho e saiu. Ramos acabara de chegar com seu carro, que ficara com o policial na noite anterior.

- E aí, seu Santa? Passou a noite em paz?
- Bem tranqüilo, como você havia dito.
- Viu? Meus camaradas são boa gente. Não conversam em serviço e não atrapalham ninguém durante a patrulha. Pode ir entrando, seu Santa, eu vou só falar com os meninos.

Ramos foi até a pick-up e bateu no vidro. “Devem estar dormindo, esses folgados”, pensou o policial. “Deixa os garotos, Ramos, devem estar exaustos por ficar de tocaia a noite toda”, gritou Santa Cecília.

O obeso policial civil chegou bem perto do vidro, mas nada conseguiu ver do lado de dentro. Então, foi para a frente do carro, olhar através do para-brisa dianteiro.

- Putaqueopariu!, gritou Ramos andando para trás. Carlos saiu do carro na direção do policial.
- O que foi, Ramos?
- Eles… eles tão mortos!

Cap 18 - Antes das sete da manhã

Logo nas primeiras horas do dia, Bia Lacerda e o fotógrafo Chico Antônio foram para Olaria. No caminho, Chico reclamou da hora, ainda não eram sete da manhã, mas ele sabia que apenas chegando cedo seria possível encontrar uma mulher. Fabiana Andrade era viúva de Cícero, o homem que ajudou Ana Santa Cecília a fugir do cativeiro.

Bia tinha o endereço da mulher. Conseguiu com uma coleguinha de uma rádio que costumava cobrir os tiroteios na região. Ela tinha uma rede de informantes entre padeiros, jornaleiros e entregadores de jornal. Um destes lhe disse onde morava o mulher de sobrenome Andrade que se mudara com dois filhos pequenos há exatos dez anos.

A casa era muito simples, não tinha nem campainha. Bia bateu palmas três vezes, no que uma mulher magra e abatida chegou à janela.
- Pois não?

A mulher olhava com desconfiança para Bia e Chico e o carro com o logotipo de Primeira Página não ajudou muito. Bia não tinha certeza se era ela, mas decidiu arriscar.
- Fabiana? Meu nome é Beatriz, eu preciso falar com você.
- Eu lamento, não sou Fabiana.
- Por favor. Seu marido ajudou um amigo meu há alguns anos. Ele pode estar correndo risco novamente.
- Meu marido morreu porque ajudou a mulher do repórter a sair do morro. Desculpe, dona, mas a minha relação com a imprensa já acabou.
- Por favor, Fabiana. É muito importante.

A mulher chegou a entrar novamente em casa, mas saiu novamente e deu a Bia um papel amassado.
- Não sei nem se ele está vivo, mas foi ele quem executou o meu Cícero. Se quiser pedir ajuda a alguém, peça a ela.

Ainda no meio da rua, Bia desamaçou o papel. Lá, apenas um nome estava escrito, mais nada. Nem telefone nem endereço. Apenas um nome. Renatinho Gordo.

Cap 17 - Gianni Tomasi

- Yeah, I need some information… No, I don’t speak italian. Do you speak portuguese? So, what’s the big deal? I told you, I don’t speak italian! Can you fucking help me?

Pacheco Filho se esgoelava no telefone, implorando um pouco de ajuda das autoridades italianas. O problema é que autoridade é igual em qualquer país e nunca quer ajudar a imprensa. Depois de mais de uma hora de ligação internacional e de ser transferido para todos os setores possíveis, Pacheco conseguiu uma promessa de que um e-mail seria mandado para a caixa de mensagens dele. Após uma longa espera, o e-mail chegou. Nele, uma lista de todos os presos que tiveram contato direto com Armando Paglia na cadeia italiana. Tinha o nome dos companheiros de cela, daqueles com quem conversava nos banhos de sol e dos que dividiam a mesa com ele durante as refeições. Alguns nomes apareciam em todos os grupos. Entre eles, um chamou a atenção do estagiário.

- Ju, olha isso!
Juliana Hosenfeld se aproximou. Pacheco apontou o nome de Gianni Tomasi. Ele parecia ser uma das pessoas mais próximas a Dom Armando na prisão.
- E sabe o que é mais interessante?, desafiou Pacheco Filho.
- O suspense está me matando — debochou a estagiária.
- Tomasi foi libertado. Há dois meses. Os advogados de Paglia conseguiram que Tomasi saísse na condicional.
- Estamos no caminho certo. Vou investigar o que puder.

Juliana, disfarçadamente, foi até a mesa de Bia. Lá, a bolsa aberta da jornalista deixava desprotegida sua agenda. A estagiária pegou a preciosidade, agachou atrás da mesa e rabiscou alguns números numa folha solta de papel. De volta ao seu computador, fez uma breve pesquisa e alguns telefonemas.

Gianni Tomasi tinha relações com a máfia. O problema dele começou quando foi preso e entregou alguns antigos companheiros da Cosa Nostra. Na cadeia, passou a ser caçado pelos outros mafiosos. Isso, até a chegada de Paglia. Dom Armando acolheu o forte italiano e logo se tornaram amigos. Com a liberdade condicional, não seria difícil imaginar que Tomasi tinha uma dívida de gratidão com Armando.

- Ei, Pacheco, ouve só… Eu não achei o Tomasi em lugar nenhum da Europa…
- Mas…
- Mas, descobri que ele está no Brasil. Um contato da Bia confirmou que o italiano chegou ao país pelo aeroporto Luiz Eduardo Magalhães, em Salvador. Só que na semana passada ele fez reservas em um hotel do Rio. Ele nunca fez o check-in no hotel, mas pelo menos isso indica que ele viria ou veio para a cidade.

Cap 16 - Esquadrão da morte

- Sabe, seu Santa, a gente precisa cuidar da sua segurança da melhor maneira possível — disse Olavo Ramos. O obeso policial dirigia o carro do colunista enquanto o levava para casa. — Eu sei que você pediu para eu me dedicar à sua segurança em tempo integral, mas umas pessoas não concordaram com isso. Sabe como é?, eu sempre faço uns trabalhinhos por fora. Mas fica tranqüilo, seu Santa, eu vou ficar na sua cola o dia inteiro, mas de noite tem dois camaradas meus que vão vigiar a sua casa. São gente boa. Eles eram policiais, mas foram afastados depois daquela encrenca, tá lembrado?

Santa Cecília lembrava bem a encrenca em que Ramos se metera alguns anos antes. Ele e uns amigos da corporação subiram um morro e executaram uma quadrilha inteira. Cinco bandidos mortos. Mas eles não estavam em missão, por isso mataram mais oito testemunhas. A chacina foi capa em todos os jornais. Todos os policiais foram expulsos, menos Ramos, que sabe-se lá porque tinha bons contatos. Amargou uma suspensão de dois meses e voltou à ativa.

- Você quer colocar o esquadrão da morte pra tomar conta de mim?
- Me entenda, seu Santa, ninguém entende de serviço sujo melhor do que eles. Esses seus chapas do jornal podem achar que as ameaças do Dom Armando são brincadeira ou exagero, mas eu e você sabemos que o cara gosta de sangue.
- Mas não corre o risco de eles se venderem para o outro lado?
- Não… Foi um pedido meu. Eles não brincam comigo. Se não fosse o Olavão aqui eles estariam morrendo de fome. Eu sempre garanto uns bicos pros meus camaradas.
- Se você está dizendo…

Ramos estacionou na porta da casa de Santa Cecília. Os dois seguranças já aguardavam numa pick-up preta com vidros muito escuros. Na caçamba, Carlos notou uma larga coleção de armas de grosso calibre. Os dois ex-policiais estavam todos de preto, óculos escuros e jaquetas, mesmo sendo uma noite relativamente quente. Ramos cuidou das apresentações.
- Seu Santa, esses aqui são o Braddock e o Bronson. Esses não são os nomes deles, mas é melhor que o senhor não saiba quem eles realmente são — Então, virou-se para seus camaradas. — Pessoal, esse aqui é o seu Santa. Mas como vocês não têm intimidade com ele, vão chamar o meu amigo de Doutor Santa Cecília, compreendido?

Os dois acenaram com a cabeça. Ramos acompanhou Carlos até a entrada da casa.
- Os homens vão ficar aqui a madrugada toda. Eles não dormem de jeito nenhum. Se precisar de alguma coisa, pode me chamar, mas fica tranqüilo. Você não vai ouvir nem um sussurro enquanto estiver dormindo. Boa noite, seu Santa. Dorme despreocupado.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Cap 15 - Primeiros passos

Bia estava especialmente empenhada nesta cobertura. Levantou todas as informações possíveis sobre Dom Armando, todas as acusações contra ele. Por fim, não encontrou nada consistente o suficiente para colocá-lo de volta na cadeia.

- Precisamos de ajuda — disse a repórter aos estagiários.
- O que precisar — respondeu Juliana.
- Alguma coisa deve ter acontecido enquanto ele estava na cadeia. Gente presa costuma falar demais, porque acha que nunca vai sair de verdade. Procurem quem estava preso com ele. A mesma coisa com o filho. Descubram qualquer ameaça que eles tenham feito nos últimos anos, mesmo que seja vazia. Precisamos saber onde ele vai começar.
- Tudo certo — afirmou a estagiária.

Juliana e Pacheco correram, cada um para seu telefone. Mas Bia sabia que aquilo não era suficiente. Ela precisava ir a campo, descobrir tudo sobre o seqüestro de Ana. Por mais que a polícia jamais conectara Paglia ao rapto da mulher de Santa Cecília, não havia ninguém que desconfiasse do contrário.

Sozinha, ele subiu o morro atrás de alguma pista. Conversou com a associação de moradores e até com alguns traficantes, mas depois de tantos anos, o morro mudara e ninguém que tivesse alguma relação com o caso ainda estaria por ali.

Na associação, ela conseguiu apenas uma informação. Era a lista de todos os moradores mortos no morro. Mas também daqueles que se mudaram de lá. Com sobrenomes semelhantes, ela achou, nas duas listas, algo que pudesse lhe ajudar. Um trabalhador morto, Cícero Andrade. Assassinado um dia após a libertação de Ana Santa Cecília. E três pessoas que fugiram do local na mesma semana. Todas da família Andrade.

Cap 14 - Fama

Santa Cecília voltou para o Primeira Página acompanhado de Olavo Ramos. Na sala de reuniões, Lincoln, Fagundes e Catarina já o aguardavam.
- Aposto que não é uma festa surpresa!, disse o colunista.
- Não, não é — respondeu Lincoln. — Você enlouqueceu, Carlinhos?
- Não que eu me lembre…
- Uma ameaça de morte e você não fala nada…
- Faria alguma diferença se eu lhe contasse?
- Toda a diferença! Você seria afastado da cobertura.
- Não sei se você se lembra, mas eu não estou na cobertura. Eu deleguei funções. Sou apenas o cara que vai ler as matérias antes de serem publicadas.
- Não tem graça — interrompeu Fagundes. — Estamos falando em risco de vida!
- Como se você se importasse… E além do mais, é a nossa oportunidade.
- Oportunidade de quê?, questionou Lincoln.
- Você sabe… O de sempre…
- Se você está procurando fama, a coisa vai engrossar entre nós.
- Fama? Não. Fama é o que ofereço a estes pobres coitados para eles me ajudarem. O que eu quero é esse cara longe da minha filha e da minha mulher.
- Ex-mulher.
- Que seja. Se vocês descobriram o lado podre das minhas intenções e quiserem cair for a, não tem problema. Mas eu já estou até o pescoço com esse caso e não dá mais para desistir.

Carlos saiu batendo a porta e deixou um clima desconfortável entre os que permaneciam na sala de reuniões. Principalmente para Ramos, que nem conhecia os demais.
- E aí? O que vamos fazer?, perguntou Lincoln.
- Não sei quanto a vocês, mas eu estou dentro — afirmou Catarina.
- Mas… e se a coisa esquentar?, indagou Fagundes.
- Aí vocês deixam com o titio aqui!, encerrou Ramos.

Cap 13 - O seqüestro

Quando Carlos acordou, achou estranho que a esposa não estivesse em casa. Ligou para o consultório, onde a secretária confirmou que Ana lá estivera, mas que sua consulta terminara há horas. Ele ainda aguardou alguns minutos antes de se convencer do pior. Levantou-se e foi à delegacia prestar queixa do desaparecimento da mulher.

No cativeiro, Ana era torturada. Apanhou um pouco e levou choques elétricos. Toda vez que ela perguntava o que os seqüestradores queriam, recebia silêncio como resposta. Ela passou alguns meses em um barraco úmido, comendo arroz com feijão frio, em um morro que seus captores jamais mencionavam o nome.

No começo, a fé de que Santa Cecília resolveria a situação a mantinham sã, mas quando começou a sentir contrações, ficou desesperada. Gritou muito, implorou socorro, mas foi amordaçada pelos algozes. Vez ou outra, via um velho bem vestido, de chapéu panamá, que ria de sua situação.

“Isto tudo é culpa daquele maldito jornalista. Espero que você se lembre disso quando sair daqui”, dizia ele a cada nova visita.

Quando a menina nasceu, ainda prematura, ela foi abandonada sozinha no cativeiro. Um vizinho do barraco a encontrou e chamou a polícia. Carlos a esperava no pé do morro, com lágrimas nos olhos.

Eles viveram juntos por mais algum tempo. Ele se sentia culpado pelo que aconteceu com a mulher. Ela achava que a situação limite que vivera a unia ao marido. Mas a verdade é que eles não tinham mais vida juntos. Carlos foi embora, deixando para trás tudo o que tinha. Se mudou provisoriamente para a casa de Lincoln, que acabara de se divorciar novamente. Nos bolsos, apenas o suficiente para o almoço do dia seguinte.