segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Cap 64 - Quebra-cabeça

Quando Paglia e Marco chegaram à delegacia, foram separados. Dom Armando permaneceu calado durante mais de uma hora, quebrando o silêncio apenas para pedir um advogado. Já Marco abriu a boca rapidinho e contou tudo o que sabia.

O plano de Paglia começara a ser posto em prática alguns anos antes, ainda na Itália, quando o mafioso recebeu a notícia de que seu filho havia sido assassinado durante o motim na prisão. À distância, ele ordenou que seus capangas se preparassem e avisou ao deputado que a quadrilha voltaria para seu controle.

Armando convenceu Tomasi a ajudá-lo e enviou o italiano para o Brasil com alguns meses de antecedência à sua chegada. O tempo deveria ser utilizado para identificar a rotina de Carlos Santa Cecília e seus possíveis aliados. Todas as informações eram repassadas ao deputado, que até pediu licença de suas responsabilidades em Brasília para se dedicar à vingança de Paglia.

Na verdade, desde o começo, Gianni Tomasi era apenas um instrumento e não o homem de confiança de Paglia. Durante todo o tempo, era Marco quem estava à direita do padrinho e provavelmente seria seu sucessor se o plano de matar Santa Cecília e cometer suicídio tivesse se concretizado.

Marco passou semanas seguindo Tomasi, sem que o italiano soubesse de sua existência. O objetivo era garantir que Gianni não faria nenhuma besteira. Quando Tomasi matou Bronson e Braddock, os temores de Armando haviam se mostrado plausíveis; o italiano estava chamando mais atenção do que deveria.

Durante a perseguição de Tomasi a Carlos e, posteriormente, de Ramos a Tomasi, Marco manteve-se todo o tempo atrás, a uma distância segura. Quando o italiano entrou no prédio próximo ao aeroporto, o afilhado de Paglia já sabia para onde ele iria: o escritório que controlava toda a movimentação de drogas e armas nas fronteiras do país, onde Tomasi recebia os pagamentos enviados pela quadrilha de Armando na Itália.

Marco se posicionou estrategicamente no edifício vizinho. Seu objetivo era matar Tomasi e quem o perseguia, para evitar que o italiano fosse preso e ao mesmo tempo garantir que ele não fizesse mais besteiras. Mas Marco identificou Ramos como sendo o oponente de Gianni. O capanga preferido de Armando conhecia a reputação do policial e sabia que se ele morresse, os esquadrões da morte da cidade caçariam o responsável e o fariam pagar pelo crime.

Em relação à morte de Leninha no apartamento de Fagundes, a armação era do deputado o tempo todo. O objetivo dele era eliminar todos os aliados de Santa Cecília. Havia planos preparados também para Bia, Catarina e Lincoln, mas as declarações de Renatinho Gordo fizeram Armando pular estas etapas.

O deputado, sem se identificar, convidou Fagundes para um almoço, oferecendo informações sobre o caso. E de fato, o parlamentar contou tudo o que sabia, mas durante a conversa, colocou um comprimido na bebida do jornalista. O “boa noite cinderela”, como era chamado, fez com que Fagundes quase apagasse ali mesmo no restaurante.

Na saída, o deputado se encontrou com Leninha, com quem também tinha marcado, e pediu para que ela o ajudasse a levar Fagundes para seu apartamento. O deputado já pretendia acabar seu relacionamento com a jovem há alguns meses, com medo que sua mulher descobrisse. A esposa do parlamentar já estava desconfiada e pretendia se divorciar, caso suas dúvidas se confirmassem. O deputado não estava disposto a perder metade de tudo o que tinha e ainda correr o risco de ter suas falcatruas divulgadas por uma ex-mulher vingativa.

Com Fagundes desmaiado sobre a cama, o deputado matou a amante. Utilizando informações colhidas por Tomasi, ele sabia o horário em que seria mais fácil sair do edifício sem ser visto. Já em seu carro, ligou para a polícia se passando por um morador e reclamou de alguns gritos no apartamento do jornalista.

O resto é história.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Cap 63 - Conversa entre amigos

Quando armando acordou, Paglia já estava no elevador. Dois policiais o seguravam, cada um de um lado. Foi arrastado até a viatura e lá ficou por alguns minutos, enquanto os tiras garantiam que estava tudo bem com Ramos.

Armando Paglia quase adormeceu novamente, mas voltou a si quando ouviu a porta da viatura bater. Era Carlos Santa Cecília.
- Seu maldito… — começou Paglia.
- Ei, Dom Armando, não acha que já falou demais hoje? — interrompeu Santa Cecília. — Agora é a minha vez de falar. Você me odeia, porque diz que a culpa do seu filho ter morrido na cadeia é minha. Mas a culpa é sua. Eu também te culpava por não ser mais repórter. Eu abandonei a reportagem porque tinha medo de que alguma coisa acontecesse às pessoas que eu amo. Sabe qual é a verdade? A culpa não é sua. A culpa é minha. É minha, porque enquanto eu for um bom repórter, vou incomodar gente como você. E esse tipo de gente é tão baixa, que faz qualquer coisa. Se a minha ex-mulher, se a minha filha ou se qualquer um dos maus amigos tiver que correr risco para que bandidos safados fiquem fora das ruas, que assim seja. Mas eu não volto a escrever aquela coluna por nada nesse mundo. A partir de hoje, eu volto a ser repórter, volto a apontar com o dedo tudo o que está errado. Avise aos seus amigos para tomarem cuidado comigo, porque eu voltei para o jogo.

Carlos bateu no vidro do carro para que um dos policiais abrisse a porta.
- E tem mais uma coisa — prosseguiu. — Se este fosse um país decente, você nunca mais sairia da solitária, mas sei que em dez, quinze anos você está de volta ao seu cartel. Quando este dia chegar, eu vou estar te esperando. Vou começar tudo de novo até que você esteja atrás das grades novamente. Isso nunca foi sobre você querer me matar. O tempo todo foi sobre eu querer você na cadeia.

Quando Santa Cecília saiu do carro, os policiais colocaram Marco na viatura. Ainda foi possível ouvir Dom Armando xingar alguém. Não se sabe se foi Carlos ou Marco o alvo do ódio, mas que Paglia estava furioso, todos tinham certeza.

Cap 62 - Jornalismo sangrento

Bia Lacerda e o fotógrafo Chico Antônio invadiram o edifício atrás de quatro policiais. Dois deles foram levados até lá pelos próprios jornalistas. Os outros dois foram chamados pelos moradores, muito assustados com os tiros e os gritos.

Quando chegaram, encontraram o corpo do deputado estirado no meio da sala. Em um dos cantos, Santa Cecília ajudava Lincoln a se soltar. Encostado na parede, Ramos fumava um cigarro de filtro amarelo e bebia whisky no gargalo. Seu ombro sangrava muito. Nada que um pouco de bebida não pudesse curar.

Armando Paglia estava estirado no chão, com a cara enfiada no tapete macio tingido de sangue.
- Ele morreu?, perguntou Bia.
- Ele não teve esta sorte. Está só descansando, esse folgado — respondeu irritado Ramos.

Paglia acertara o tiro no ombro de Ramos. Mas o bandido esquecera que havia deixado a arma com apenas duas balas. A primeira ficou no chão, quando atirou em Carlos. A segundo no ombro do policial. Enquanto tentava recarregar, Ramos se recuperou e deu uma surra inesquecível no mafioso.

A foto do rosto de Paglia contra o tapete foi uma das melhores já tiradas por Chico Antônio. Infelizmente, nunca foi publicada. “Este tipo de jornalismo sangrento”, disse Lincoln no dia seguinte, “não faz o estilo do Primeira Página”.

Cap 61 - Evidência

Catarina acompanhou Ramos pela escada quando os dois invadiram o prédio. Marco ficara desacordado na portaria. Catarina teria preferido subir de elevador, mas a experiência do policial lhe garantira que nunca se deve pegar o elevador, ou se torna presa fácil.

Subiram pela escada. Durante todo o percurso, todos os oito andares, Ramos lhe ordenara que tomasse distância. Teimosa como qualquer jornalista ela não obedeceu, a não ser quando chegaram no último andar e quatro capangas de Paglia saíram do apartamento.

Com uma leveza inacreditável para sua idade e peso, Ramos jogou cada um dos bandidos contra a parede. Apesar de ter uma arma na mão e ser conhecido por saber usá-la, havia momentos em que Ramos simplesmente preferia acabar com os criminosos com os próprios punhos, e assim ele fez. Apenas um tiro foi disparado, em um que recobrou a consciência e segurou Catarina pelo tornozelo.

Ramos e Catarina aproveitaram a escuridão do corredor para observar o que se passava na sala do apartamento do deputado. O policial não entrou até julgar que era necessário. Quando Armando estava prestes a atirar, Ramos se jogou sobre ele e evitou a morte de Santa Cecília no último segundo.
- Acabou, Dom Armando!, gritou Olavo Ramos, com o corpo sobre o criminoso, impedindo qualquer movimento.

Neste momento, Catarina entrou correndo no apartamento, o que distraiu Ramos. Atento, o último capanga de Paglia se aproveitou da distração para se aproximar, mas foi alvejado pelo policial.

Em pânico e se sentindo culpada por quase ter estragado tudo, Catarina se escondeu em um dos quartos, certamente o quarto do deputado. Na sala, um tiro e um gemido indicavam que nada havia saído como ela e Ramos haviam planejado. No quarto, porém, algo chamava mais sua atenção do que a ação do outro cômodo. O computador ligado mostrava um e-mail trocado entre o deputado e Leninha, a amante.

“Me encontre naquele bar próximo ao Primeira Página. Preciso de sua ajuda. O assunto é sério. Não conte para ninguém ou tudo estará acabado entre nós”, dizia a mensagem. Era o passaporte de Cosme Fagundes para a liberdade.

Cap 60 - No último segundo

Carlos Santa Cecília saiu detrás de uma das cortinas da sala, um dos lugares mais óbvios onde poderia estar escondido e, talvez por isso, onde ninguém pensou em procurar. Caminhou lentamente até a frente de Armando, que apontava sua arma para a cabeça de Lincoln.
- Largue a arma — ordenou Paglia.

O jornalista tirou a pistola que estava em sua cintura e com calma foi abaixando até colocar a arma no chão. Armando aproveitou que Carlos estava agachado para acertar um chute em seu rosto. O colunista caiu de costas no chão, com o nariz sangrando. Paglia empurrou a cadeira em que Lincoln estava para trás, fazendo o diretor de redação bater com a cabeça na quina de um móvel e desmaiar.

Enquanto Carlos não conseguia sentir nada além do próprio nariz, que latejava intensamente, Paglia se aproximou.
- Isto acaba aqui, Santa Cecília — disse o mafioso. Em seguida, Armando tirou o pente da arma e jogou for a os projéteis, até que só sobraram dois. — Primeiro você, Santa Cecília, depois eu.

O barulho de pessoas subindo a escada fez com que Paglia adiasse a concretização de seu plano novamente. Com um gesto, ordenou que seus capangas fossem até o corredor, ver se era Marco quem se aproximava. Apenas um dos bandidos permaneceu ao lado do chefe. Após alguns estalos e um silêncio prolongado, Armando voltou às ameaças a Carlos.
- A polícia já deve estar chegando, repórter. É melhor eu não me estender muito.

Com o braço esticado, os olhos arregalados e um princípio de sorriso, Armando se preparava para matar Santa Cecília. Do outro lado do cano, Carlos não esboçava reação alguma, como se contasse com alguma esperança ou como se ela não mais existisse.

O dedo de Armando foi chegando para trás, encurtando a vida do colunista. Na hora do tiro, Paglia fechou os olhos, mais para fantasiar o momento do que pelo susto do disparo. Quando abriu os olhos, uma fração de segundo mais tarde, notou que o tiro não pegou em Santa Cecília e que um homem muito corpulento o dominava.
- Acabou, Dom Armando!, gritou Olavo Ramos.

Do outro lado da sala, o capanga se aproximava para ajudar o chefe. Ramos, com um único disparo, acertou o joelho do bandido que largou a arma e caiu. Mas o policial não contava com a última bala de Paglia, aquela que colocaria o ponto final em todo o caso.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Cap 59 - Resgate

A viatura passou na porta do edifício do deputado muito rápido. Mas o tempo foi suficiente para Ramos perceber que Marco estava na portaria, aguardando qualquer intromissão. O policial estacionou na esquina e ordenou que Catarina não saísse de lá até que outros policiais chegassem. “Nem a pau”, respondeu ela.

Os dois seguiram pela Vieira Souto. Ramos pediu que a jornalista ao menos tomasse uma boa distância dele. Ao lado do portão, ele aguardava até a sombra de Marco indicar que o grandalhão se afastara da porta. Quando a sombra quase desapareceu, o policial enfiou o pé na porta, tentando arrombá-la em vão. O barulho atraiu a atenção do afilhado de Paglia, que correu para a porta. Com um tiro, Ramos conseguiu destruir o portão, totalmente feito de vidro, mas Marco logo o atingiu.

Os dois caíram no chão, com Marco sobre Ramos, socando-o no rosto.
- Vamos, gordão, apaga!

Ramos ficou furioso. Com toda a força que lhe restava, tirou o brutamontes de cima. Acertou o bandido com uma cabeçada e, em seguida, com o cabo da arma, golpeou a genitália de Marco.
- Eu não sou gordo — disse Ramos, cuspindo um pouco de sangue — sou proporcional!

Cap 58 - Apareça!

Os capangas carregaram o corpo que estava no corredor para dentro da sala. Não era Santa Cecília, como Paglia esperava, mas o deputado. Os bandidos vasculharam a casa uma última vez em busca do jornalista, mas nada acharam.

Dom Armando deu duas voltas no escritório pensando no que faria. Após aquele tiroteio, era provável que toda a polícia da Zona Sul estivesse indo para aquele edifício. Não havia muito tempo.
- Apareça, Santa Cecília!

Em um dos quartos, o capanga golpeado com o vaso de porcelana despertava. Armando não o perdoou e lhe acertou um soco.
- Para onde ele foi, seu imbecil? Me diga!
- O que…?

Antes que pudesse concluir a pergunta, Armando acertou um tiro na testa do bandido. Os outros capangas estavam receosos, mas sabiam que não podiam fugir.

Paglia não tinha idéia do que poderia fazer para que o jornalista aparecesse. A resposta estava no escritório. Armando pegou Lincoln pelo braço e o colocou sentado em uma das cadeiras, que foi empurrada até a sala.
Se você não aparecer, seu amigo morre!
- Não se preocupe, Carlinhos! Fuja — gritou o diretor de redação.

De um dos quartos, uma voz interrompeu a ameaça de Armando.
- Acabou a graça, Paglia — disse Carlos. — Estou saindo.

Cap 57 - Pé na tábua

Com a edição especial em mãos, Bia correu para o carro do jornal. No estacionamento, encontrou Chico Antônio. O fotógrafo tinha um caso com uma assistente comercial casada e marcava seus encontros no estacionamento do jornal.
- Onde você vai com tanta pressa?, interrogou o fotógrafo.
- O mundo está desabando, Chico. Vem comigo?
- Claro!

Seu Soares era o responsável pelo plantão da noite naquele dia e aproveitava o jornal vazio para polir o carro.
- Acabou a faxina, seu Soares — brincou Chico. — Pé na tábua que parece que o caso é grave!

No caminho, Bia explicou para o fotógrafo e o motorista o que estava acontecendo. Soares levou os dois até a delegacia mais próxima. Lá, Bia procurou um amigo de Ramos recomendado por Santa Cecília.
- Pois não?, zombou o policial.
- Tenho uma edição especial para o senhor.
- Dona, eu não to querendo assinar nenhum jornal…
- Sente um pouco, tome um café e leia. Se estiver interessado, podemos salvar algumas vidas e fazer algumas prisões ainda esta noite.

Cap 56 - Dinastia Ming

Armando Paglia gritava furioso que toda a culpa pelo que acontecera a seu filho era de Carlos Santa Cecília. O copo em sua mão já não tinha bebida, esvaziado enquanto o descendente de italianos gesticulava. Carlos já havia sido golpeado duas vezes: um soco na boca do estômago e uma coronhada no alto da testa, que sangrava um pouco.

Tomado pelo ódio, Armando virou-se para a janela, enquanto com a pistola, batucava no parapeito.
- Você tinha que se meter, seu cretino! Tinha que se meter!, repetia freneticamente o mafioso.

Paglia tirou o pente da arma, garantiu que estava carregada, puxou um crucifixo do bolso e fez uma oração. Quando virou-se de volta para Carlos, descobriu que o jornalista desaparecera.

Em uma dos quartos, um vaso de porcelana caiu, denunciando um movimento suspeito. Quando Paglia chegou ao cômodo, achou um de seus capangas caído e sem a arma. Armando fez sinal para os outros e iniciou a busca por Santa Cecília no amplo apartamento.

No escritório, o deputado aproveitava o descuido de Paglia. Com certo esforço, foi até a gaveta da escrivaninha e pegou uma pequena faca de abrir cartas.
- Não faça isso — disse Lincoln. O conselho foi ignorado pelo deputado.

Paglia e os capangas vasculhavam cada centímetro do apartamento até que um deles alertou para o som de passos na sala. Armando correu, apenas tempo suficiente para ver a porta se fechando. Com a pistola em punho, o mafioso atirou contra a madeira, ato mimetizado por seus comparsas. Um deles foi até a porta e constatou: um homem fora alvejado.

Cap 55 - Explicações

Olavo Ramos estava mais suado e sujo que o de costume. Há algumas horas, tentava explicar para outros policiais que ele não era o responsável pelo tiro que matou Gianni Tomasi. Seu envolvimento com grupos de extermínio garantiam que ninguém acreditasse em sua versão.

Catarina Casaverde chegou correndo à delegacia ela perguntou a alguns agentes onde estava Ramos, até que recebeu uma informação confiável. Em uma sala de interrogatório escura, o obeso policial contava pela centésima vez sua versão dos fatos.
- Ramos — chamou a editora, quando invadiu a sala, — Santa Cecília está em perigo. Ele foi encontrar o Armando.

O policial se levantou, mas foi empurrado por seus colegas de volta à cadeira. Furioso, ele empurrou um deles e foi em direção à porta.
- Olavo Ramos, volte agora ou você será preso!
- Pode fazer o que quiser quando eu voltar, mas agora eu preciso salvar um amigo.

Ramos e Catarina entraram em uma viatura que estava parada na porta da delegacia. O policial acelerou fundo, rasgando o asfalto.
- Boneca, é melhor você me contar tudo o que está acontecendo com o seu Santa!

Cap 54 - Edição especial

O celular de Carlos permanecia ligado, em seu bolso. No Primeira Página, Bia Lacerda ouvia tudo no viva-voz e escrevia o que podia.
- O que de tão importante você quer conversar comigo?, questionou Carlos.
- Quero explicar com calma porque eu vou te matar — disse Armando. — O meu filho… O meu filho era inocente nessa história toda, você sabe bem disso. O máximo que ele fazia para mim era cobrar um dinheiro aqui e entregar uma encomenda ali. Quem mandava em tudo era eu.
- Eu sei disso…
- Cale a boca! Quem mandava em tudo era eu e esse merdinha desse deputado, que se apropriou do meu império e agora quer me dar ordens. O meu filho não tinha nada a ver com isso. Por isso eu peguei a sua mulher. Na época, eu só queria te assustar. Mas se fosse hoje, Santa Cecília, ela teria sofrido muito mais e não voltaria para te contar a história.
- Desgraçado!

O som de um golpe assustou Bia, que aproveitava para gravar a conversa.
- Não tente nenhuma bobagem — prosseguiu Armando — ou nossa conversa vai terminar antes do previsto. Como eu estava dizendo, naquela época eu fui muito bonzinho. Mas o meu filho morreu por sua causa. Morreu porque nem para fazer uma matéria decente você sabe. O culpado era eu. Você tinha que me incriminar e não a ele.
- Eu fiz isso.
- Não! Você jogou a culpa no garoto. Se me permite, vou ler o título de uma de suas matérias. “Filho de Paglia comandava crime organizado”.
- Essa foi a conclusão da polícia. Se você ler o texto, vai perceber que eu continuo jogando a culpa em você.
- Eu sempre fui o chefe do crime! Eu sempre fui o culpado! Fui eu quem seqüestrou e torturou sua mulher! E sou eu quem vai te matar nesta noite!

Digitando quase em tempo real, Bia acrescentou todas as aspas possíveis de Paglia à sua matéria e desceu correndo para a gráfica do jornal. Lá, um dos funcionários lhe avisou que todos os exemplares já estavam impressos.
- Pois prepare uma edição especial — ordenou a repórter.

Cap 53 - Precisamos conversar

No portão do prédio, Santa Cecília era aguardado por Marco. Dez anos antes, Marco era apenas um menino, que via espantado a movimentação da polícia em sua casa durante a prisão do filho de Paglia. Marco era afilhado de Armando, filho de uma de suas empregadas. Era um homem imenso e muito musculoso que gostava de se exibir em camisetas muito apertadas. Trazia à cintura sempre uma pistola, que não fazia muita questão de esconder.
- O chefe está te esperando — disse Marco.

Carlos foi empurrado escada acima, com o troglodita de poucas palavras logo atrás dele. Na porta do apartamento, Marco fez sinal para que o jornalista esperasse, abriu a porta e conferiu para ver se estava tudo bem.
- Mande-o entrar, Marco — gritou Dom Armando, — e desça para garantir que ele veio sozinho.

Marco assentiu com a cabeça, empurrou Santa Cecília para a sala e voltou para a portaria. Da sala não era possível ver Paglia, mas em cada cômodo havia um bandido armado. “Eu não escapo desta vivo”, pensou o colunista. Uma conversa, ao longe, indicou o caminho a Carlos.

No escritório, Armando estava sentado tomando um copo de uísque. No chão, Lincoln e o deputado olhavam assustados, com medo das reações explosivas do mafioso.
- Eu já estou aqui, Paglia. Liberte o Lincoln.
- Lincoln? — explodiu Armando em uma gargalhada. — E quanto ao nobre deputado.
- Pouco me importa o deputado.
- Que merda de samaritano é você… Eu não vou libertar seu amigo e nem ninguém. Eu não voltei para o Brasil para sair vivo. Voltei para acabar com você e quero muitas testemunhas disso.
- Então acabe logo com isso e vamos encerrar esta história, que ela já se arrastou por tempo demais.

Dom Armando apontou uma cadeira para Carlos.
- Antes, sente-se aí. Nós temos algumas coisas para conversar.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Cap 52 - Fora do caminho

No edifício em Ipanema, Armando aguardava a chegada de Santa Cecília. Seria o momento da vingança, de retribuir pelos últimos dez anos e pela morte de seu filho. Num canto, amarrado e amordaçado, Lincoln tentava respirar.

O apartamento tomava toda a cobertura de um edifício da Vieira Souto. Pertencia ao deputado, que era comparsa de Armando desde o início. Ele ficara responsável por cuidar dos negócios sujos após a ida de Armando para o exterior. E utilizara o dinheiro do crime para se reeleger duas vezes.

O deputado não estava satisfeito com o rumo das coisas. Em primeiro lugar, acreditava que a forma como ele guiara os negócios nos últimos anos deveria ser respeitada. Além disso, por mais que gostasse do dinheiro ilícito, não era chegado a assassinatos, o que estava prestes a acontecer.
- Eu quero sair fora, Armando.
- Como assim sair? Agora que estamos começando a nos divertir…
- Eu não gosto de violência. Eu até tentei convencer o Santa Cecília a ficar fora do seu caminho.
- Não foi aquele reporterzinho que entrou no meu caminho, nobre deputado. Fui eu que entrei no dele. Eu só voltei para o Brasil para matar este miserável.
- Armando, vamos fazer o seguinte… Você pega esse jornalista que você seqüestrou e sai da minha casa e fica tudo bem entre a gente.
- Acho que não, deputado. Agora eu já dei o seu endereço para o Santa Cecília e ele está vindo para cá.
- Então você fica e eu saio.
- Não funciona assim, caro parlamentar. Quem manda aqui sou eu e você vai fazer do meu jeito. Além do mais, você tem imunidade, não sei porque está tão preocupado.
- Porque pessoas vão morrer.
- Pessoas morrem todo dia. Se você não calar a boca, o próximo vai ser você.

Com um simples gesto de Armando Paglia, três capangas se aproximaram do deputado. Um deu um soco em sua nuca e os outros dois o amarraram. Ele foi jogado no canto ao lado de Lincoln.

Cap 51 - Despedida

Carlos acelerava seu carro pelas ruas da cidade sem olhar para frente. Com o celular, tentava contatar Ramos, que não atendia. Desesperado, ligou para Catarina e pediu para que ela encontrasse o policial.

Pela cabeça de Santa Cecília, passava muita coisa. Ele se lembrava do seqüestro de dez anos atrás, quando sua mulher grávida for a torturada por Armando. Desta vez, era seu amigo quem servia de refém.

O colunista nunca duvidou que Paglia pudesse matá-lo, como havia prometido muitos anos antes, na carta e na recepção no aeroporto. Mas Carlos não queria que ninguém pagasse por sua ousadia.

Ainda no celular, Santa Cecília ligou para a ex-mulher.
- Ana?
- Carlos… Você sabe que horas são?
- Não… Tenho dificuldades com o fuso horário. Será que eu posso falar com a Teresa… É muito importante.

Não demorou para que a filha atendesse.
- Pai?
- Oi, filhota. Como estão estas férias forçadas?
- Legal. Eu gosto de viajar, mas preferia estar com as minhas amigas na escola.
- Eu sei, filha, isso já vai acabar. Só liguei para dizer que te amo, está bem?
- Você está legal, pai?
- Estou sim, meu anjo. Só precisava falar com você. Deixa eu falar de novo com a sua mãe.

Ana voltou ao telefone.
- O que houve, Carlos? Eu sei quando você não está bem.
- Ana… O nosso pesadelo acaba esta noite. Depois de hoje, o Armando não vai mais perturbar a gente.
- Carlos, você…
- Eu vou resolver isso. Mas se alguma coisa der errado, eu só quero que você saiba que eu amo vocês duas. Eu tenho juntado dinheiro… Se alguma coisa acontecer, ele vai todo para vocês. E é melhor vocês não voltarem para o Brasil.
- Carlos… — chorava a mulher.
- Não se preocupe, Ana. Não se preocupe.

Santa Cecília desligou. Sem pensar, ligou para Bia.
- Bia? Escute bem. Eu não vou desligar meu telefone. Deixe no viva-voz, grave e use tudo o que você ouvir da melhor forma possível.
- Boa sorte, Santa Cecília.
- Eu vou precisar.

Carlos Santa Cecília estacionou em frente ao prédio indicado por Armando Paglia. Ele preferiu deixar de lado a gravata e o terno que usava todos os dias, afinal aquelas poderiam ser suas últimas horas.

Cap 50 - Direto da gráfica

Sentados no chão da gráfica, Carlos e Bia comem sanduíches e batatas fritas.
- Obrigado, Bia…
- Por quê?
- Eu sei que você não gosta muito de mim e tudo mais… Mas foi você quem mais trabalhou nesta cobertura.
- Não fui só eu. A Juliana e o Pacheco me ajudaram muito descobrindo sobre o Tomasi. Aliás, o que aconteceu com ele?
- Não sei bem. Falei com o Ramos agora há pouco e ele me disse que um tiro misterioso matou o italiano. Acho que ele executou o cara, mas não quer contar…
- Pode ser.

Os dois jornalistas foram interrompidos quando um dos funcionários do jornal chegou com o primeiro exemplar em mãos. A manchete dizia: “Empresário envolvido com crime organizado e assassinatos”. Uma foto grande de Armando e uma menor de Tomasi estampavam a primeira página.

Enquanto Santa Cecília folheava a edição, seu celular tocou. O aparelho indicava que era Lincoln quem ligava.
Ei, Lincoln, você não vai acreditar. O primeiro exemplar acabou de chegar à minha mão.
- Se mais alguém ler — dizia uma voz conhecida — seu amigo morre.
- Armando?
- Você vem se encontrar comigo e com seu amigo. Vocês serão a minha garantia de que nada vai acontecer.

Cap 49 - Rio Branco

Lincoln descia pelo elevador se perguntando o que faria naquela noite. Seria seu aniversário de casamento, se ele não tivesse se divorciado pela milésima vez. Com a recusa de Santa Cecília em acompanhá-lo em um drinque, restava apenas beber sozinho em um bar.

Assim que colocou os pés na rua, o diretor de redação teve certeza de estar sendo seguido e se arrependeu de não ter saído de carro. As passadas foram se aproximando e Lincoln tentou apertar o passo. No início da madrugada, não há nada aberto na Rio Branco, o que o impedia de entrar em alguma loja em busca de abrigo.

Conforme as passadas se aproximavam, o coração frágil do jornalista acelerava. Mas qual foi a surpresa quando o homem que o seguia simplesmente o ultrapassou fazendo sinal para um ônibus. Lincoln respirou aliviado e acendeu um cigarro para relaxar.

Assim que devolveu o isqueiro ao bolso, um carro rasgou a avenida. Dois homens saíram do veículo, apanharam Lincoln pelos braços e o jogaram no banco de trás.

Era madrugada na Rio Branco e não havia viva alma no Centro para chamar a polícia ou anotar a placa do carro.

Cap 48 - No hospital

Muitas horas após ser esfaqueado na cadeia, Cosme Fagundes acordou em um hospital. Pelo vidro da porta, era possível ver o policial de guarda. Fagundes investigou o próprio corpo e descobriu que for a a facada em si, nada doía. Era como se a faca tivesse entrado com o cuidado de não provocar danos. O mistério acabou quando Catarina chegou.
- Isso é coisa sua, Catarina?, interrogou o chefe de reportagem.
- É claro! Você achou que eu ia te deixar naquele lugar horroroso com um monte de bandidos perigosos. Paguei ao carcereiro para arrumar um jeito de te tirar de lá.
- Muito obrigado — debochou Fagundes.
- Ei, não foi idéia minha a facada, mas até que funcionou. Descobri uma coisa… A mulher que estava morta no seu apartamento se chama Maria Helena e ela era amante daquele deputado. O garçom já tinha me dito que você se encontrou com ele no restaurante e eu achei uma foto dos dois no apartamento dela.
- Eu… Eu não me lembro de nada…
- Não precisa. Eu vou continuar investigando. Assim que amanhecer eu volto. Não se preocupe… Você vai estar de volta ao jornal antes mesmo de receber alta.

Cap 47 - Ponto final

Quando viu as iniciais, Carlos deu um pulo. Precisava contar para alguém. De um lado estava Lincoln, seu amigo e confidente, o único que apoiava suas escolhas. Do outro, Bia, com quem não tinha a melhor das relações. Até Santa Cecília se surpreendeu quando foi contar primeiro para a colega repórter.
- Sabe o que é isso?, desafiou Carlos.
- O que?
- Estas iniciais — respondeu, apontando “D.A.”, em um dos documentos. — São as mesmas que assinam a carta que eu recebi. É Dom Armando, a prova que a gente precisava para mandar o Paglia para trás das grades.
- Lembra do cara que queria a transferência?, perguntou Bia, referindo-se a Renatinho Gordo.
- O que tem?
- Ele era um dos que cuidaram do cativeiro da sua ex-mulher. E ele me contou tudo o que sabia sobre o seqüestro. Disse que o Paglia recebia em casa vários traficantes e que em uma dessas visitas disse que queria dar uma lição em você, para que não se metesse mais onde não é chamado.
- Pelo visto não deu certo — interrompeu Lincoln, que ouvia a conversa de longe.
- Além do mais — prosseguiu Carlos — ele vai mudar o depoimento quando for comprado pelo Armando.
- Não vai, não. Ele está jurado de morte porque é pedófilo. A transferência era pra mantê-lo distante da antiga facção. Se ele mudar o testemunho, corre o risco de ser mandado para uma prisão comum, e disso ele morre de medo.
- Acho que já dá para começarmos — encerrou o diretor de redação.

Santa Cecília e Bia Lacerda sentaram-se lado a lado, buscaram suas anotações e juntos escreveram a matéria. Lincoln, logo atrás, revisava o texto em tempo real. Quando o ponto final riscou o papel, o diretor selecionou algumas fotos de Chico Antônio e ordenou que o material fosse para a gráfica imediatamente. Carlos nem quis esperar um contínuo. Foi sozinho até as máquinas e entregou o disco com a página pronta e a primeira página para a impressão imediata.
- Quer tomar alguma coisa, Carlinhos?, convidou Lincoln.
- Não posso… Só saio daqui com o jornal na mão — disse Carlos.
- Então está bem… Eu já vou.
- Às seis esse jornal estará na sua porta, Lincoln. E eu estarei lá para entregar.
- Às seis você vai estar dormindo, Carlinhos. Dormindo.

Cap 46 - Leninha

- Maria Helena Cunha… Vinte e dois anos… Estudante de administração… Solteira… Obrigado. Acho que isso já me ajuda.

A informação era certeira e não tinha custado muito caro. Por R$ 300 um perito aposentado descobria a identidade de qualquer cadáver. A conta, é claro, não era paga pelo jornal e o perito não fornecia nota fiscal.

Com o nome da vítima em mãos, Catarina só precisava descobrir quem ela realmente era. Uma busca rápida na internet apenas apresentou uma infinidade de homônimas. Nada concreto para começar a busca. Mas ao somar o curso de administração, a editora chegou até o nome de uma faculdade.

Pelo telefone, a faculdade se recusou a dar maiores informações, mas a atendente deixou escapar o nome de uma empresa em que ela estagiava. Na empresa, uma colega deu o número do celular da vítima. Catarina sabia que ninguém atenderia, mas era o suficiente para descobrir o endereço.

Mesmo no meio da noite, Catarina Casaverde pegou um táxi e foi até o endereço indicado. Lá, a mãe de Maria Helena, ou Leninha, como era chamada atendeu.
- Eu estou procurando a sua filha — disse a jornalista.
- Eu lamento, mas ela ainda não voltou — respondeu a mãe, claramente abatida.
- Será que eu poderia conversar com a senhora por um momento?

Quando Catarina revelou que a menina estava morta, a mãe começou a chorar. A editora chegou a pensar que adotara a estratégia errada, que talvez devesse apenas colher algumas informações, mas não podia deixar aquela mãe aflita com o desaparecimento da filha. Depois de se recuperar, a mãe desabafou:
- É tudo culpa daquele canalha, daquele bastardo que roubou minha filha.
- De quem a senhora está falando?
- O namorado dela… Bem, ela dizia que era namorado dela, mas eu aposto que ele tinha esposa. Se não, por que nunca veio aqui em casa dizer que queria um relacionamento sério com a Leninha?

Catarina aproveitou o choro da mãe para pedir licença e ir ao banheiro. Na verdade, queria ir ao quarto da menina procurar alguma pista de quem era este namorado. Olhou em algumas gavetas, mas não havia bilhete ou número de telefone que lhe servisse para apurar o caso. Enquanto folheava uma agenda, foi surpreendida pela mãe da menina.
- Acho que já está na hora de você ir embora, moça.

Antes de sair, Catarina ainda olhou o quarto uma última vez e sobre a escrivaninha estava tudo o que ela precisava. Uma foto guardava para a eternidade um momento feliz vivido por Leninha e o namorado. E certamente aquele homem era o responsável pela prisão de Fagundes… o deputado.

Cap 45 - Os documentos

Suado e exausto, Carlos consegue voltar para o Primeira Página. Conseguiu pegar um táxi no Aterro que o levou até a Rio Branco, onde está a sede do jornal. O colunista caminhou até sua mesa, sentou-se e puxou o fone do gancho para ligar para a seguradora. O carro ainda estava no canteiro da pista e precisava ser rebocado.

Lincoln se aproximou, questionando o estado de Santa Cecília. O jornalista já estava preparado para contar a tentativa de assassinato quando viu, sobre a mesa ao lado de Bia Lacerda, as cópias dos documentos que ela pedira aos contínuos.

Carlos se lançou sobre os papéis e voltou a analisá-los. Ele sempre teve a certeza de que a polícia e o próprio não tinham investigado os documentos da forma adequada, mas nunca revisou o material porque prometera a Ana que ficaria distante daquele caso.

Os documentos basicamente eram cadernos com anotações. Haviam alguns apelidos e valores em dinheiro. Segundo a polícia, era a movimentação de alguma quadrilha. Como estavam em posse do filho de Armando na ocasião da busca, os investigadores determinaram que pertencia a ele. Carlos não tinha esta certeza.

Durante quase duas horas, o colunista se dedicou com afinco àquelas fotocópias de rabiscos do crime organizado. Tanto tempo, que alguns começaram a fazer sentido. E numa página qualquer de um caderno qualquer, Santa Cecília encontrou duas iniciais que poderiam virar o jogo a seu favor.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Cap 44 - Pelo Aterro do Flamengo

Ramos acelerava seu carro o máximo que podia. Mesmo com as inúmeras batidas, o carro azul de Gianni Tomasi se mantinha firme à frente. Os dois seguiram pelo Aterro até o Mourisco, quando o italiano fez a volta e pegou o Aterro em direção ao Centro.

A distância que separava os carros não sofreu grande alteração em todo o percurso, mas Ramos tinha certeza de que não era na perseguição que ele conseguiria impedir o êxito do capanga de Dom Armando. Era na bala. E no meio da cidade ele não poderia disparar contra o italiano.

Tomasi subiu em uma calçada já na Glória. Atravessou uma rua na contra-mão e saltou do carro, correndo para dentro de um prédio. Ramos ainda nem tinha saído de sua viatura e já se sentia cansado de ter que correr atrás do bandido.

No edifício, não foi complicado seguir o italiano. Grande e corpulento, ele fazia muito barulho quando corria. Mas também não seria fácil para Ramos chegar de surpresa, já que obeso como era fazia tanto barulho quanto o capanga.

O policial seguiu Gianni Tomasi até uma sala. Lá, foi recebido com um soco na boca do estômago. Os dois brigaram por um tempo e a arma de Ramos foi arremessada do outro lado da sala. Olavo apanhou um bocado, até que conseguiu se desvencilhar do gigante e correr na direção de sua pistola de estimação.

Assim que pegou a arma, foi novamente golpeado, com um chute na cabeça que o deixou desnorteado. Ramos ficou caído no chão, olhando Tomasi, que pegou de volta sua barra de ferro e estava prestes e partir o crânio do policial.

Ramos ouviu um barulho de tiro e viu o vidro da janela se espatifar em milhões de cacos. Tomasi caiu de joelhos, soltou a barra e tombou para o lado. Na cabeça uma imensa marca de bala e o cérebro estourado na parede. Não houve testemunhas.

Cap 43 - Transcrição da entrevista

Bia Lacerda tinha uma fita cassete à sua frente e um gravador. A repórter procurou a posição mais confortável na cadeira, colocou os fones no ouvido e começou a bater a matéria. Ela ouvia a voz de Renatinho Gordo, em um tom claramente desesperado.

Durante toda a tarde, ela escreveu a reportagem, até que se deu por satisfeita. Tentou confirmar alguns dados com Santa Cecília, mas o colunista não atendeu. Ainda que sozinha, sem o apoio dos estagiários e dos superiores, todos na rua, com exceção de Lincoln, que não saía do telefone, a jovem concluiu seu trabalho.

Só faltava agora aguardar a repercussão e rezar para que o jornal não chegasse à rua tarde demais.

Cap 42 - Perseguição

Carlos saiu do aeroporto em seu carro. Estava sozinho, pois Ramos lhe garantiu que precisava de um tempo sozinho para resolver umas outras coisas. Havia uma pequena retenção na Linha Vermelha, próxima à Ilha do Fundão, mas dali em diante o trânsito fluía.

Santa Cecília deveria voltar para o Primeira Página. Além de ser um lugar relativamente seguro, ele tinha que se dedicar mais à reportagem. Isso, sem falar que há três dias sua coluna era fechada por um interino que ele só conhecia de nome.

Quando se aproximava da Leopoldina, o colunista se deu conta de que um carro azul o seguia. Carlos trocava de pista, acelerava e depois reduzia a velocidade. O carro azul permanecia na cola dele não importava o que fizesse.

Carlos desistiu de ir para o jornal. Puxou o celular e ligou para Ramos.
- Ramos, eu tenho quase certeza de que estou sendo seguido.
- Que isso, seu Santa. Mas você acha que querem te matar ou só assustar?
- Acho que só assustar — nisso, o carro azul golpeou o carro de Santa Cecília. — Pensando bem, Ramos, ele quer me matar. To indo para o Aterro — e desligou.

Por mais quinze minutos, o carro de Santa Cecília foi seguido pelas ruas do Rio de Janeiro. O colunista passou por quatro viaturas da polícia e nenhuma delas achou estranho um carro amassado na traseira sendo seguido por um carro amassado na dianteira.

No Aterro, o carro azul emparelhou. Gianni Tomasi dirigia e sorria enquanto cantava uma música qualquer que tocava no rádio. Toda vez que Carlos tentava escapar, o italiano golpeava seu carro novamente. Próximo ao Flamengo, o veículo do colunista foi jogado contra um canteiro e se chocou numa árvore.

Tomasi estacionou no acostamento e saiu do carro com uma barra de ferro nas mãos. Estava realmente disposto a golpear Carlos até a morte na frente de todos os que passavam por uma das vias mais movimentadas da cidade.

O italiano parou na frente de Santa Cecília, cuspiu para o lado e levantou a barra. Carlos apertou os olhos, mas pelo sol que estava atrás de Tomasi do que pelo medo da morte. Quando reabriu, se deu conta de que o capanga de Armando corria de volta para o carro com Olavo Ramos logo atrás dele.

Cap 41 - Vizinhança hostil

Fagundes ainda não sabia o que estava acontecendo. Há algumas horas na prisão, ele ainda se sentia incomodado com a dor de cabeça. A mesma desde que acordara e se deparara com a garota morta em seu apartamento.

A vizinhança não era a mais amigável. Todos sabiam quem ele era e imaginavam que ele contribuíra para que todos tivessem parado atrás das grades. “Jornalista deveria ir para um presídio próprio”, pensava ele.

Cosme Fagundes estava muito cansado, mas não conseguia dormir. Não tinha coragem de fechar os olhos e ficar à mercê de todos aqueles que de longe o observavam a faziam gestos que deixavam claro que sua hora estava próxima.

No meio da tarde, um carcereiro entrou na cela. Do bolso da calça, puxou um maço de notas de cinqüenta reais, que foi distribuindo uma a uma a todos os presos, exceto Fagundes, que preferiu se virar e não ser testemunha do que estava acontecendo.

O carcereiro se aproximou dele mesmo assim e disse baixinho em seu ouvido:
- Eu tenho um presente para você também!

O chefe de reportagem setiu algo invadir sua barriga. O carcereiro tinha uma faca nas mãos e a barriga de Fagundes sangrava muito. A camisa branca se contaminava de vermelho e Cosme desmaiava enquanto ainda tentava entender o que se passava.

Cap 40 - Desembarque

Eram quase três da tarde quando Armando Paglia saiu da sala de desembarque. Carlos já o aguardava, bem como alguns dos antigos amigos do criminoso. Paglia cumprimentava cada um deles quando percebeu que Santa Cecília o observava de longe.

- Deveria ter trazido uma placa com o meu nome — disse Dom Armando. — Seria mais fácil de te identificar.
- O que é isso, Armando? Bons amigos sempre se reconhecem.
- O que veio fazer aqui? Achei que nos veríamos apenas mais tarde.
- Estava tão ansioso que não podia esperar mais um minuto para lhe dar uma braço. Como vai seu filho?, debochou Carlos.
- Tão bem quanto a sua filha vai ficar — devolveu Paglia. Carlos sentiu uma pontada no coração.
- Vamos interromper essa palhaçada. O que você quer afinal?
- O que eu quero, Santa Cecília? Eu quero a sua cabeça em cima da minha lareira.
- Por que não vem pegá-la agora?
- Como sempre, vocês jornalistas não têm a mínima elegância. Sua hora vai chegar, mas antes eu tenho outros compromissos.

Paglia se afastou de Carlos para falar com seus amigos. Súbito, deteve-se e gritou:
- Ei, Santa Cecília! Quer dividir um táxi até o Centro?

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Cap 39 - O garçom Genaro

Pouco antes da hora do almoço, Catarina Casaverde saiu do Primeira Página e foi até o restaurante onde Cosme Fagundes teria almoçado no dia anterior. Lá, ela procurou Genaro, o garçom de confiança do chefe de reportagem.
- Genaro, eu preciso saber o que aconteceu aqui ontem.
- Não sei do que a senhora está falando.
- O meu amigo Fagundes, o jornalista, esteve aqui ontem.
- Esteve sim. Ele almoçou mais um camarada naquela mesa de sempre.
- Você sabe quem é o camarada?
- Sei não senhora, a mesa do seu Fagundes é num canto escuro. Mas…
- O quê?
- Mas — continuou o garçom esfregando os dedos da mão — se a senhora me perguntasse com jeitinho…

Catarina sacou duas notas de cinqüenta do bolso.
- Como eu estava dizendo — seguiu Genaro — o homem parecia muito com aquele deputado… Sabe?, aquele meio careca que gosta de reclamar do governador no jornal.

A editora agradeceu e correu de volta para o jornal. No caminho, ligou para um perito que fazia serviços particulares.
- Bastos? Preciso da identificação de uma vítima. O preço de sempre?

Cap 38 - Os primeiros raios do último dia

Fagundes passara a noite em claro. Estava apavorado com a cadeia, mas também lhe preocupava a lentidão da polícia em esclarecer o que acontecera na tarde do dia anterior. As portas das celas se abriram e um antipático agente penitenciário gritou “Banho de sol”, como se fosse uma coisa boa.

O chefe de reportagem foi até um pátio enlameado, e sentou-se em um banco em um canto. Ele conhecia as pessoas que estavam ali. Seus novos companheiros eram políticos corruptos, profissionais liberais assassinos, bacharéis criminosos. Toda sorte de gente que ele julgara por anos nas páginas de seu jornal.

Um deles, Paulo Alencar, mais conhecido como o Médico Monstro que devorou toda uma família de pacientes, exigia que Fagundes se levantasse do banco. Outros, vereadores e secretários de governo, que bem sabiam quem o jornalista era, apontavam de longe.

Fagundes sentiu um esbarrão por trás que o jogou ao chão. Um homem sorridente, ex-delegado acusado de receber propina do tráfico, lhe sorriu e estendeu a mão.
- Aproveite bem os primeiros raios de sol de seu último dia de vida.

Cap 37 - Câmera de segurança

Ramos e Santa Cecília estavam no carro do colunista, indo para a casa dele. Desta vez, Carlos dirigia, enquanto o policial terminava de confirmar a transferência de Renatinho Gordo para uma penitenciária paraense.
- Sabe, seu Santa, esse favor que eu estou te fazendo só prova o quanto nós somos amigos. Porque eu cobrei muitos favores antigos para conseguir isso. Favores que poderiam me garantir uma aposentadoria confortável.
- Ramos, sejamos honestos. Você ganha tanta grana por fora que obviamente vai ter uma aposentadoria muito confortável. Isso, se você sobreviver até a aposentadoria.

Ramos deu uma boa gargalhada, daquelas que chegam a fazer o nariz vibrar tal o grunhido de um porco.
- Ai, seu Santa, só o senhor para me fazer rir numa hora dessas.

Carlos estacionou em frente à sua casa. Ramos saiu, abriu o porta-malas e pegou duas pistolas e uma cadeira de praia. Abriu a cadeira na jardim e sentou-se.
- Pode ir dormir. Hoje quem tá na patrulha sou eu e comigo não tem brincadeira.
- Ei, Ramos. Pode entrar lá em casa, não precisa ficar aqui fora.
- Seu Santa, o senhor entende de escrever. Eu entendo de matar coisa ruim. É melhor cada um fazer o próprio trabalho.

Santa Cecília se despediu do policial e entrou. Ramos ficou sentado no jardim, observando se algo suspeito se aproximava. Enquanto tomava conta dos arbustos das outras casas, notou que uma das residências ostentava uma câmera de vigilância. O ângulo era perfeito: cobria o local onde Braddock e Bronson haviam sido assassinados.

Ramos correu para a casa, apenas tempo suficiente para reparar que as luzes estavam apagadas e a garagem estava vazia. O obeso policial forçou a porta até que abrisse e achou o lugar onde a gravação da câmera era feita. Com pouca habilidade com equipamentos eletrônicos, demorou um pouco até que descobrisse o ponto certo.

Nas imagens, um homem encapuzado se aproximava da pick-up preta por trás e com pistolas com silenciosos apagava os seguranças. Em seguida, ao perceber a câmera na casa vizinha, tirava o capuz e sorria. Era grande e forte, como nas descrições de Gianni Tomasi. Em seus lábios era possível ler a frase “Dom Armando manda lembranças”.

Cap 36 - Confissão

- Para onde?, perguntava Bia a Santa Cecília pelo celular. — Está bem. Tchau.

- E então, dona repórter, quais são as novidades?, debochava Renatinho Gordo.
- Consegui umas férias para você.
- Onde?
- No Pará.
- Comoéqueé? No Pará? Você está de brincadeira. Aquilo é quente pra cacete e cheio de mosquito.
- Gordo, eu acho que você não está em posição de recusar.
- Se a senhora não se lembra, eu tenho informações valiosas.
- E se você não lembra, eles vão te matar. Acho que você tem mais a perder que eu.

Renatinho socou a mesa, abaixou a cabeça e falou uma dúzia de palavrões. Depois esfregou as mãos no rosto e bebeu um gole de água.
- Estou calmo, dona. Estou calmo.
- Se você não começar a me ajudar, meu amigo vai retirar a oferta de transferência.
- Está bem, repórter, eu vou falar. Pergunta que eu respondo.

Bia tirou da bolsa um gravador e colocou sobre a mesa.
- Você estava envolvido no seqüestro de Ana Santa Cecília?
- Dona, eu não sei o que a senhora acha que é maldade, mas o que fizeram com aquela moça é ruim até para gente como eu.

Cap 35 - Na delegacia

Ainda na sala onde for a interrogado, Fagundes aguardava ser levado para uma cela. Como tinha nível superior, teria mais conforto do que uma prisão cheia de ratos com cheiro de mofo. Mesmo assim, a idéia do cárcere o amedrontava. Enquanto pensava no pior, a porta rangeu e deu passagem a Catarina Casaverde.
- Catarina!
- Fagundes! Eu estava preocupada. Te liguei o dia todo e passei no seu apartamento. O porteiro disse que você estava aqui. Você não matou aquela mulher, não é?
- Não… Eu não sei… Eu não me lembro de muita coisa.
- Você acha que armaram para você?
- Pode ser — refletiu Fagundes. — Mas quem?
- Você tem algum inimigo?
- O Santa Cecília me odeia.
- Além dele…?
- Acho que não.
- Eu vou tentar descobrir o que puder. Falei com alguns peritos e eles só terão identificação positiva da vítima em dois dias.
- Dois dias?
- Eu sei que é muito tempo. Vou investigar por conta própria. Assim que souber de alguma coisa, volto aqui e te aviso.

As mãos de Fagundes buscaram as de Catarina.
- Fique tranqüilo — disse a editora. — Eu vou te tirar daqui.

Cap 34 - Transferência

Quando Santa Cecília desligou o telefonema de Bia Lacerda, virou-se para Ramos e pediu:
- Você vai ter que me ajudar.
- O que quer, seu Santa?
- Um preso vai ser morto na cadeia. Mas ele tem informações que nos interessam. Como podemos afastá-lo dos outros presos?
- Não vai ser nada fácil.

Ramos puxou seu celular, ligou para umas pessoas, que lhe passaram números de outras pessoas até que surgiu a solução.
- Resolvi nosso problema, seu Santa!
- E então?
- O garoto vai para uma penitenciária do Pará.
- Do Pará?
- Eu tentei um resort na Costa do Sauípe, mas isso foi o melhor que eu consegui.

Cap 33 - Interrogatório

Fagundes estava algemado, sentado em uma cadeira de ferro presa ao chão, em uma sala úmida com um grande espelho, que certamente escondia pessoas que o observavam. A porta se abriu e dois policiais apareceram. Um, muito simpático e falastrão, sentou-se à sua frente e lhe ofereceu cigarros. “Não fumo”, disse o chefe de reportagem. O outro permanecia próximo à porta, sem abrir a boca.

- É o seguinte, senhor Cosme… Posso te chamar de Cosme?, quis saber o tira bom. Fagundes assentiu com a cabeça. — Nós precisamos saber exatamente o que aconteceu hoje à tarde.
- Eu já disse mil vezes. Eu não me lembro.
- Cosme, eu já perdi as contas do número de vezes que alguém entra aqui e me diz que não se lembra do que aconteceu. Mas a verdade é que todos lembram.
- Eu estou falando sério. Minha cabeça dói muito e eu estou me sentindo enjoado. Acho que fui drogado. Por que não fazem um exame toxicológico?
- Calma, calma. Nós vimos a moça que estava com você. Ela era uma beleza. Certamente vocês devem ter dado um teco ou fumado unzinho. E tudo o que você quer é tempo para bolar uma boa história.

- Escuta aqui — aproximou-se o tira mau. — Por que não conta tudo o que você lembra?
- Eu já disse, eu fui almoçar com uma fonte.
- E quem é essa fonte?
- Em primeiro lugar, eu não sou obrigado a entregar as minhas fontes. Mas a verdade é que eu não sei quem era. O homem me ligou falando de um informante e disse que tinha algo que me ajudaria em uma matéria.
- A que horas você foi para lá?
- Na hora do almoço, não sei ao certo. Talvez meio dia e meia.
- E o que aconteceu depois.
- Eu saí do jornal e fui até o restaurante combinado. Perguntei para um garçom se alguém me esperava e... Não me lembro de mais nada até a hora em que acordei.
- E como aquela mulher foi parar em seu quarto? Quem é ela?
- Talvez se você pararem de me interrogar e começarem a investigar, fique mais fácil. Por que não descobrem se eu tive relações sexuais com ela e levantam a identidade pelas digitais. A hora da morte também pode ajudar.