quarta-feira, 30 de julho de 2008

Cap 12 - 1998

Ana acordou cedo, se despediu de Carlos e saiu. Ainda eram 9h da manhã e todo mundo sabe que Santa Cecília só acorda depois de meio dia. Isso sem falar que ele ganhara um dia de folga após a capa com a prisão do filho de Paglia.

Na noite anterior, Carlos e a mulher ficaram deitados no sofá, olhando para o teto enquanto se abraçavam. Depois de semanas de insistência, ele cedera. Enfim o nome da filha ia ser escolhido: Tereza.

Ela se preparava para mais uma ultrassom. Queria confirmar o sexo para saber que todo o seu esforço em convencer o marido não havia sido em vão. Afinal, eles combinaram. Se fosse menino, Carlos escolhera o nome Adamastor para a criança. Deus havia de proteger aquele feto e fazê-lo ser menina.

No consultório, a médica confirmara. Era Tereza quem iria nascer em mais um mês ou pouco mais. Ela estava radiante.

Já na rua, enquanto tentava voltar para casa, sentou-se no carro e já pensava em como iria contar ao marido a boa notícia. Isso, até um senhor de chapéu de palha bater na janela do carro muito sorridente.

Cap 11 - O início

“Em dois dias estou voltando. Mal posso esperar para nos encontrarmos novamente. Diga à Ana que eu ainda sinto a falta dela. Nosso reencontro vai ser de matar.”

Quem assinava a carta tinha as iniciais A.P., as mesmas de Armando Paglia. Poderia parecer uma carta de um amigo, mas era claramente uma ameaça de morte.

Em 1998, Carlos Santa Cecília era o mais conhecido jornalista do Rio de Janeiro graças à sua teimosia. Quando cismava com alguém, ele investigava a fundo a vida da pessoa. Foi o que aconteceu com Paglia. Após um assalto na casa do empresário, os dois bandidos apareceram mortos. As mãos e pés decepados e marcas de queimadura garantiam que as sessões de tortura haviam sido demoradas.

No mesmo dia, Santa Cecília entregou a Lincoln sua pauta. Passou duas semanas falando com todas as autoridades possíveis: Polícia Federal, Ministério Público, Ministério da Justiça. Alguém decidiu dar ouvidos a ele e começaram a investigação Macaco Prego.

Durante quatro meses, Santa Cecília foi a sombra de Paglia. Até almoçavam no mesmo restaurante. Em tom de ousadia, Dom Armando até cumprimentava o jornalista. Isso até que a polícia conseguiu um mandado de busca e apreensão na casa dele.

Na ocasião, nada foi provado contra Paglia, mas alguns documentos comprometiam seu filho mais velho, que acabou preso em cela comum porque ainda não tinha terminado a faculdade. E a manchete do Primeira Página do dia seguinte ainda humilhava o garoto. Dom Armando ficou furioso.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Cap 10 - A carta

Durante o almoço, Lincoln e Fagundes pouco falaram. No máximo, comentaram o jogo de futebol da noite anterior e o tamanho das coxas da garçonete. Ficaram por isso mesmo. Mas quando voltaram para o jornal, Cosme Fagundes não se furtou a comentar o que vira na sala de Santa Cecília.

- Você viu a carta?
- Que carta?, questionou Lincoln.
- A carta que o Santa Cecília recebeu.
- Acho que não é o tipo de coisa que ele comentaria comigo. E também não é o tipo de coisa que ele comentaria contigo.
- Eu li por engano.
- Não faz diferença. Se é coisa do Carlinhos, deixe para lá.

Fagundes saiu decepcionado da sala de Lincoln. Pensou em mandar um e-mail para o diretor de redação, mas achou melhor deixar tudo como estava. Se ele não queria saber, talvez fosse o melhor. O próprio Fagundes preferia desconhecer o conteúdo da correspondência.

- E aí, Cosme?
- O que foi, Catarina?
- Alguma novidade? Você está com cara de quem está escondendo alguma coisa. Me diz o que eu preciso saber…
- A única coisa que eu posso te contar é que o Santa Cecília vetou a participação do Chico Antônio. Ele disse que ninguém pode ser escalado para esta cobertura. As pessoas têm que se oferecer.
- Que bobagem!
- Na hora eu também achei, mas agora eu até acho que ele está certo.
- Não seja por isso. Eu conversei com o Chico e ele disse que adoraria fazer as fotos para uma matéria coordenada pelo Santa Cecília. Mas eu aposto que não era isso que você estava guardando só para você.

E não era, mas não seria para Catarina Casaverde que ele contaria o conteúdo da carta que Santa Cecília recebera. Fagundes passou algum tempo olhando para a sala de Lincoln, até o que diretor de redação lhe chamou.
- Pelo amor de Deus, Fagundes. Se há algo que eu deva saber me conte logo!

Fagundes parou por um momento. Talvez não devesse mesmo falar o que estava no papel branco que ele derrubara no chão na sala do colunista. Mas a informação poderia ser vital tanto para Santa Cecília quanto para todos os envolvidos na cobertura.

- Carlos Santa Cecília vai morrer.

Cap 9 - Olavo Ramos

Carlos Santa Cecília almoçou um joelho com refresco numa pastelaria qualquer da Gomes Freire. Depois foi até a frente da sede da Polícia Civil e ficou esperando. Acendeu um cigarro na ponta do outro até que quem ele esperava apareceu.
- Seu Santa. Não esperava te ver tão cedo!

O nome dele era Olavo Ramos. Policial civil há mais de três décadas. Vivia sendo investigado pela corregedoria. Era acusado de participar de grupos de extermínio e de milícias. Só negava o último.

Ramos e Santa Cecília se conheceram dez anos antes. Desde então, ele virara uma fonte importante para o jornalista. Carlos descobriu que era só pagar um almoço para o obeso policial que rapidamente todos os podres da força vinham à tona. Mas agora Santa Cecília não precisava de informações.

- Ouvi dizer que você está para se aposentar — comentou o colunista.
- É verdade.
- O que te impede.
- Você sabe, seu Santa. Aqui na polícia a gente acaba sempre ganhando um por fora.
- Te pago o dobro do que você recebe no contracheque se você sair da polícia.
- E o que você quer?, perguntou Ramos.
- Segurança.

Cap 8 - Ex-mulher e filha

Santa Cecília se casou com uma mulher muito mais nova. Ele já era bem conhecido e ela acabara de sair da faculdade. Trabalhavam juntos no Primeira Página. Ela não entendeu quando ele insistiu para que ela aceitasse um emprego como assessora de imprensa. Era o pretexto para que os dois se casassem. Afinal, Carlos queria filhos e dois jornalistas com horários irregulares não poderiam formar uma família.
O casamento durou seis anos. Nos três primeiros, eles foram muito felizes. Carlos chegou a mudar. Ficou mais amável com os colegas e se irritou menos com situações comuns na vida de todos nós. Nos três anos seguintes, pareciam que eles estavam juntos apenas porque um passado de muito medo os unia. Era como se eles tivessem uma dívida para com o outro, que deveria ser paga com a eternidade.
Mas Ana, a esposa, não agüentou e saiu de casa com a filha Tereza.

- Que dinheiro é esse, Carlos?
- Você não passou todos esses anos exigindo o divórcio? Está aqui a metade de todo o meu dinheiro.
- O que você quer com isso?
- Quero que você suma daqui. Vá embora e não volte até que eu diga que é seguro.
- O que você está me escondendo? É o Armando Paglia?

Carlos não respondeu. Deu uma volta pelo apartamento que dividiu com a mulher e foi surpreendido pela filha, que chegara da escola. Eles conversaram um pouco até que ele disse que precisava ir. Ana o alcançou no corredor.

- É o Armando Paglia, não é? Ele está voltando para o Brasil?
- É. E eu não quero que vocês estejam por aqui quando ele chegar.
- Mas você deveria sair também. Ele vai atrás de você.
- Eu sei. Mas eu não posso mais me esconder. Não como eu fiz antes.

Santa Cecília foi embora. Antes que o dia terminasse, Ana e Tereza sairiam do País sem contar seu destino para ninguém além dele.

Cap 7 - Dez anos antes

Na entrada de uma favela, um grupo de jornalistas conversava. Era claro o nervosismo deles. Alguns até sentiam medo.
- Eu sei o quanto vocês se empenharam nesta investigação, eu sei quanto tempo vocês perderam nesta cobertura — dizia Santa Cecília — mas ninguém pode saber o que está acontecendo aqui. Eu sei o que vocês estão pensando. É a mesma coisa que eu pensaria se esta fosse qualquer outra matéria. Mas se trata da minha família, se trata da minha vida.
- Carlos — interrompeu um coleguinha — todos nós estamos nos colocando no seu lugar, mas quando a gente voltar para a redação sem matéria, vai sobrar para a gente.
- Você quer se colocar no meu lugar? Então pensa no seguinte: e se fosse a sua mulher? Porque se a gente começar a dar idéia para os bandidos, eles vão querer fazer o mesmo com cada um de nós. Hoje sou eu que me calo, sou eu que abandono as ruas, mas amanhã podem ser vocês. E aí, meus caros, ser jornalista não vai mais ser tão seguro no Rio de Janeiro.

Cap 6 - Força-tarefa

- A equipe está pronta!, disse Fagundes ao entrar na sala de Santa Cecília.

Não era comum um colunista ter sua própria sala. No Primeira Página eram quatro: cultura, esporte, economia, além do próprio Carlos. Mas Santa Cecília tinha uma sala. Ganhou após muita insistência dos repórteres, que já não suportavam mais dividir a redação com ele. Sobrou para Lincoln, que vez ou outra era convocado por meio de pancadas no vidro que dividia a sala dele da sala do colunista.

- Quem vai cobrir o caso?, perguntou o diretor de redação.
- Bia Lacerda, Juliana Hosenfeld e Pacheco Filho.
- Sério? E o fotógrafo?
- O Chico Antônio está voltando de férias. Podemos colocar ele.
- Não coloque ninguém sem consultar — interrompeu Santa Cecília. — Não podemos colocar ninguém que não queira estar nessa cobertura. Ela vai exigir muito tempo e dedicação dos repórteres. E talvez um pouco de sangue.

Saíram os três da sala. Passava das 14h.
- Vamos almoçar?, sugeriu Lincoln.
- Vamos. Talvez seja uma boa oportunidade de eu e o Santa Cecília colocarmos a conversa em dia — disse Fagundes.
- Pois eu passo — rebateu o colunista. — Tenho um compromisso inadiável. Mas por que vocês não vão sem mim? Será uma ótima chance de me criticar pelas costas.
- Eu aceito — brincou Fagundes. — Mas eu esqueci minhas anotações na sua sala. Vou buscar e encontro vocês lá embaixo.

Fagundes voltou correndo e pegou a pasta com suas anotações. Sem querer, o chefe de reportagem derrubou alguns papéis de Santa Cecília no chão. “Ele vai me matar”, pensou. Rapidamente, abaixou para catar tudo, mas deu de cara com a carta que Carlos tinha recebido.

Cap 5 - Os estagiários

Juliana Hosenfeld viu na cobertura do retorno de Dom Armando uma oportunidade de ouro. Quando Santa Cecília falou em prêmios, seus olhos brilharam. Ela imaginou-se ainda estagiária participando de uma cobertura premiada. Era o passaporte que ela precisava para ir para qualquer editoria.

Cobrir cidade nunca esteve nos planos de Juliana. Além da faculdade de jornalismo, ela fazia curso de teatro, dava canja em um grupo de MPB de um amigo, pintava e fazia esculturas. Entendia de balé, ópera, música erudita, dança contemporânea. Era o tipo de pessoa que nasceu para falar de cultura. Mas os editores acharam que seria boa idéia lhe dar um choque de realidade. Por isso, uma vez por semana, ela ia para a porta de alguma delegacia descobrir porque algum político, policial ou empresário havia sido preso.

- Acho que vou entrar nesse caso do Dom Armando — ela disse.
- Sério?, se espantou Pacheco Filho.

Pacheco também não queria escrever para cidade. Mas para falar a verdade, ele não queria escrever para editoria nenhuma, não queria trabalhar em jornal, não queria nada. Tinha a perfeita vocação para ficar o dia inteiro a toa. Gostava de surfar, dar uma volta de bicicleta, encontrar os amigos no clube. Mas acabou estudando jornalismo por causa do pai.

Matias Pacheco, o pai, era uma dessas instituições do jornalismo. Acumulava uma larga lista de feitos. Passou alguns anos como correspondente no exterior e foi editor de alguns veículos. Conseguiu estágio para o filho com Lincoln, de quem é muito amigo. O diretor de redação faz o que pode, mas todos já perceberam que o lugar de Pacheco Filho não é no Primeira Página.

Mesmo assim, o estagiário acordava cedo todos os dias e acabava ficando na redação mais do que o necessário. O motivo tinha nome: Juliana Hosenfeld. Pacheco nutria uma certa paixão pela colega, que nunca foi revelada porque ela entoava o mantra de que namoro no trabalho sempre prejudica a mulher. Talvez esta fosse uma oportunidade de os dois se aproximarem.

- Bom — refletiu ele — talvez seja uma boa idéia…

terça-feira, 22 de julho de 2008

Cap 4 - Bia

Bia Lacerda se lembrava do nome Armando Paglia. Ela ainda era menina, mas lembrava do dia em que ouviu na televisão que Dom Armando havia fugido do País. Na faculdade, leu um livro sobre a investigação da imprensa no caso. Até a metade do livro, o nome de Carlos Santa Cecília era repetido diversas vezes. Da metade em diante o nome dele simplesmente desaparecia. Era no mínimo estranho que ele ressuscitasse este caso agora.

A jovem repórter não gostava do colunista. Ele era seu ídolo na época da faculdade e o motivo de ela ter lutado tanto para conseguir um emprego no Primeira Página. Mas logo em seu primeiro dia veio a decepção. Toda animada, ela tomou coragem e foi falar com ele. Sério e antipático, ele perguntou:
- Você tem alguma informação para mim? Você pode me ajudar em alguma coisa? Então volte quando a resposta for positiva para alguma destas questões.

Desde então, Bia passou a nutrir severo ódio por seu antigo herói de profissão. Mas sempre prestou muita atenção em tudo o que ele esbravejava na redação. Acompanhar a fúria de Santa Cecília com os coleguinhas era uma aula diária de como ser jornalista, ou como não ser, em alguns casos.

Seguindo o conselho do colunista, ela foi buscar suas fontes. Ligou para um velho amigo na assessoria da Polícia Federal e cobrou um favor. Do outro lado da linha ele disse que não podia, que poderia ser demitido se vazasse qualquer coisa, mas acabou cedendo. Mandou por e-mail tudo o que a polícia tinha sobre Dom Armando.

Na página 15 estava o motivo do interesse de Santa Cecília no caso. Ela não teve dúvidas. Se levantou, foi até a mesa de Fagundes e disse:
- Pode contar comigo nesta cobertura!

Cap 3 - Edição e chefia de reportagem

Assim que acabou a reunião, Catarina Casaverde se aproximou de Cosme Fagundes.
- Nós não temos escolha, não é?
- Não. Se o Lincoln aprovou, nós temos que cobrir.

Catarina era a editora de cidade. Definitivamente não gostava de sua editoria. Era paulista e estava no Rio há mais ou menos dois meses. Conseguiu o emprego por indicação do próprio Fagundes, que conheceu por telefone, trocando pequenas informações. Ela nunca gostou do Rio de Janeiro e achava uma tortura cobrir governo, prefeitura, câmara, assembléia e, principalmente, polícia.

- Você sabe alguma coisa sobre o tal Dom Armando?, ela perguntou.
- Muito pouco. Era empresário, fugiu do País durante uma investigação há uns dez anos, foi preso na Itália. Me lembro que o Santa Cecília falava dele quando era repórter, mas não lembro o que.
- Você vai preparar a equipe?
- Não vai ser preciso. Aposto que até o final do dia um batalhão de estagiários vai se apresentar. Esta é uma pauta do Santa Cecília que ele não vai pegar. É a chance de ouro para todos aqui dentro.

Cosme Fagundes era um dos mais antigos ainda no Primeira Página. Começou a trabalhar na década de 1980, junto com Santa Cecília. Eles cultivaram um hábito saudável. Ambos chegavam muito cedo e cavavam as melhores pautas. Graças a esta disputa interna o jornal e os jornalistas chegaram onde chegaram. Mas a relação de admiração mútua e amizade terminou no dia em que o antigo chefe de reportagem se aposentou. Foi um mês depois de Santa Cecília assumir a coluna. Fagundes foi promovido e os dois nunca se falaram desde então.

Por mais que quase todo repórter sonhe em se tornar colunista, esse não era o sonho de Carlos Santa Cecília. Ele se tornou colunista por necessidade. Seu sonho era galgar muitos degraus. O primeiro era a reportagem. O segundo era a chefia de reportagem.

Cap 2 - Primeira Página

O jornal Primeira Página tinha uma história de altos e baixos. Nasceu na década de 1930 e em pouco tempo se tornou um dos mais relevantes da cidade do Rio de Janeiro. Era comum ver o luxo em suas páginas. Repleto de colunas sociais, trouxe entrevistas com diversas estrelas do rádio e, mais tarde, da televisão. Ficou famosos pelo conteúdo, que agradava tanto a ricos quanto à população mais carente.

Na década de 1960, o diário perdeu muito de sua força. Após a ascensão da ditadura militar, os anúncios minguaram. O jornal viveu tempos incertos e muitas vezes suas edições eram recolhidas antes mesmo de chegar às bancas. No final da década, o Primeira Página foi empastelado e interrompeu temporariamente sua circulação.

Durante um jantar, quando a ditadura acabou, duas pessoas muito importantes para a história do jornal se encontraram. Uma delas era Lincoln Albuquerque, antigo repórter do Primeira Página. Ele tinha um grande plano para trazer o veículo de volta à vida. Para isso, ele só precisava de uma coisa: dinheiro. E é aí que entra Lindomar Alves Filho, grande empresário do setor de hotelaria, um homem conhecido por gostar de se arriscar com seu dinheiro. Juntos, eles fizeram o gigante despertar novamente.

Na década de 1980, o jornal não ia bem das pernas. Longe do passado de glamour, onde agradava a todas as classes sociais, agora o diário sofria com o monopólio de um concorrente. Acabou apelando para a violência da cidade. Foi com esta proposta que contrataram Carlos Santa Cecília.

O currículo dele não era dos melhores. Já tinha passado por todo tipo de editoria, por todos os jornais da cidade e acumulava uma longa lista de desafetos. Lincoln enxergava nele potencial. Acreditava que se Carlos fosse para as ruas, poderia descontar sua insatisfação e antipatia nas matérias e trazer para o jornal um novo estilo de redação.

Em menos de dois anos o Primeira Página se tornou referência na cobertura de cidade. Mas após um grave incidente, Santa Cecília se viu obrigado a abandonar a cobertura de rua. Ele assumiu uma coluna, que levava o seu nome. Com muito deboche e cinismo, escrevia pílulas do dia-a-dia da política e da economia do Rio. O jornal voltava a ter o prestígio dos tempos áureos.

Cap 1 - Reunião de pauta

Quando Santa Cecília chegou ao jornal, já estavam todos na sala de reunião. Além de Lincoln Albuquerque, estavam o chefe de reportagem Cosme Fagundes, a editora de cidade Catarina Casaverde e a repórter Bia Lacerda, além de mais alguns repórteres, fotógrafos e estagiários. O colunista não perdeu tempo.
- De que é feito um bom repórter?

Ninguém respondeu. Havia uma certa tensão no ar. Além de ninguém saber o motivo da reunião, muitos evitavam trocar palavras com Santa Cecília. De todos os que estavam na sala, o único que realmente falava com ele era Lincoln, mas muitas vezes acabava falando sozinho. Santa Cecília continuou mesmo assim.

- Um bom repórter é feito de três coisas: talento para escrever, um pouco de curiosidade e as fontes certas. Eu tenho os três. Em duas semanas, três no máximo, acontecerá um grande crime. Desse tipo que abala toda a sociedade. Nós vamos cobrir este crime, mas todos os outros jornais também vão. Nós precisamos ir além. Se nós descobrirmos uma forma de evitar este crime, nós teremos um furo de reportagem.
- Onde quer chegar?, perguntou Lincoln.
- Em dois dias Armando Paglia deixa a cadeia na Itália. Aposto o quanto quiserem que ele vem para o Brasil no primeiro vôo.
- Armando Paglia? O Dom Armando?, interrogou a jovem repórter Bia Lacerda.
- Exatamente! Usem todas as suas fontes, toda a sua curiosidade e investiguem. Até a última vez em que ele esteve no País ele era blindado, mas acho que agora está mais suscetível às leis brasileiras. Acreditem em mim. Se nós o pegarmos antes do grande crime que acontecerá, receberemos muitos prêmios. Vocês têm até o final do dia para confirmar a participação nesta cobertura.

Aos poucos, todos os jornalistas abandonaram a sala. Apenas Santa Cecília e Lincoln restaram.
- Isto é o que eu estou pensando? Uma caça às bruxas?, questionou o diretor de redação.
- Chame como quiser. Eu chamo de sobrevivência.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Prólogo

Já passava das 23h. Como de costume, o velho colunista era um dos últimos a abandonar a redação. Só ia para casa após conferir o primeiro exemplar impresso para saber se tudo o que escrevera saíra correto. Carlos Santa Cecília tomava um café já frio e vestia seu paletó quando um contínuo se aproximou. "Carta para o senhor", ele disse. Não era comum receber cartas. Todos sabiam o quanto ele era antipático. Diziam algumas lendas entre os coleguinhas que só conseguia fechar sua coluna porque as fontes tinham certo medo dele.

Com uma faca que guardava na gaveta, ele abriu o envelope. Estranhou a ausência de remetente e chegou a pensar: "Se isso for anthrax é bem feito para mim". Puxou de dentro o papel e leu com calma. Quando chegou ao final, num susto, derrubou o copo de café semivazio. Os respingos sujaram sua calça, mas aquela não era mais uma preocupação.

Santa Cecília puxou o celular do bolso e apertou o send. Lincoln Albuquerque, o diretor de redação, era o único com número salvo no aparelho do amigo.

- Lincoln? Você não vai acreditar no que eu recebi. Marque uma reunião urgente para amanhã de manhã e convoque sua melhor equipe.
- De manhã? Carlinhos, todo mundo sabe que você só acorda depois do almoço.
- Fique tranqüilo, Lincoln. Acho que hoje eu nem vou dormir.