domingo, 12 de outubro de 2008

Epílogo

Após uma longa tarde de sono, Carlos Santa Cecília pegou seu carro e dirigiu até Copacabana. Estacionou no Leme, tomou uma cerveja em um quiosque da praia e foi ao edifício que freqüentava pelo menos uma vez por semana. Cumprimentou o porteiro que já o conhecia, subiu no elevador de porta pantográfica e caminhou até o apartamento 205. À porta, conferiu o relógio. Ainda faltavam cinco minutos para uma da manhã.

Santa Cecília ficou sentado no chão do corredor até que a porta do 205 se abriu. De dentro saiu uma bela jovem, de olhos castanhos brilhantes e cabelos no meio das costas. Era Sabrina Morena, uma das “namoradas” de Santa Cecília. Ela o puxou para dentro e o jogou na cama. Sabrina era uma stripper virtual. Tinha seu próprio site, onde fazia ao vivo sua apresentação diariamente à meia-noite.

Carlos e ela se conheceram em um bar. Um não sabia o que o outro fazia. Quando descobriram, se afastaram. Ele achava que ela era prostituta. Ela temia as intenções de um jornalista. Acabaram cedendo a um relacionamento aberto.

Ainda na cama, enquanto o sol nascia, Sabrina agarrava-se a Santa Cecília. Parecia ter se lembrado de algo e estava um pouco trêmula.
- O que houve?, perguntou Carlos, abraçando-a.
- Uma amiga… Eu estou com medo, Carlos.
- Me diga o que foi…
- Uma amiga minha desapareceu — esclareceu Sabrina. — Ficou de me ligar, mas nunca ligou. E o site dela já está for a do ar há alguns dias.
- Ela era prostituta?, questionou o jornalista.
- Não, Carlos. Era como eu. Tinha o site, mas não tinha contato com os clientes.

Santa Cecília beijou a testa da jovem, que não tinha mais que vinte e cinco anos. Levantou da cama, procurou sua calça e apanhou o celular.
- Lincoln?
- Você sabe que horas são, Carlinhos?, reclamou o diretor de redação.
- A hora certa. Escuta… Lembra que eu te falei que queria voltar a fazer reportagens? Pois acho que tenho minha primeira pauta.

Cap 65 - Próxima edição

Lincoln Albuquerque estava recostado na cadeira de sua sala, com Bia Lacerda aplicando uma bolsa de gelo em sua cabeça. Sempre ignorando as proibições, ele fumava no ambiente fechado. Chico Antônio lia a edição especial com tiragem limitadíssima que correu em algumas delegacias durante a madrugada para convencer alguns policiais a acompanharem a equipe de reportagem até o apartamento do deputado. “Poderiam ter escolhido outra foto para a capa”, lamentava Chico, mesmo sabendo que a edição for a fechada às pressas.

Carlos Santa Cecília estava ao telefone. Avisava à ex-mulher e à filha que já era seguro retornar ao Brasil, mas que a decisão cabia unicamente a elas. Com um lenço, o colunista limpava o sangue que ainda escorria do nariz e lhe sujava o bigode.

Todos na sala pensavam nos perigos que assumiram na cobertura do retorno de Armando Paglia ao Brasil. Alguns, como Carlos e Lincoln, sabiam exatamente os riscos que corriam. Outros, como Bia e os estagiários, nem faziam idéia do quanto a quadrilha de Dom Armando poderia ser perigosa.

No fim das contas, Paglia não foi preso pelas ameaças a Santa Cecília e seus colegas, mas apenas pela morte do deputado. Apesar de uma série de relatos repletos de testemunhas, a polícia preferiu acreditar que os jornalistas apenas acrescentaram ação à narrativa para valorizar seus trabalhos.

Os possíveis prêmios que encheram os olhos de alguns no início da cobertura nunca vieram. Pelo contrário; todos no Primeira Página foram muito criticados pelos riscos a sujeitaram a si mesmos e aos colegas. Mas outros jornalistas reconhecem a qualidade da cobertura de Carlos e dos outros.

Ainda naquele mesmo dia, cinco parlamentares subiram ao plenário para render homenagens ao deputado. Na frente da televisão, sempre atento, Santa Cecília anotou o nome de cada um deles. Ninguém elogia um corrupto se não estiver envolvido em esquema semelhante. “São meus próximos alvos”, pensou Carlos.

Quase na hora do almoço, Cosme Fagundes voltou ao jornal ao lado de Catarina Casaverde. O e-mail encontrado pela editora na casa do deputado, somado ao depoimento da mãe de Leninha de que ela teria um caso com o parlamentar, ajudou a inocentar Fagundes. Além disso, informações passadas pelo garçom Genaro e por freqüentadores do restaurante próximo ao Primeira Página preencheram as lacunas restantes.

Assim que o relógio apitou meio dia, todos pegaram suas coisas e se levantaram.
- Aonde vocês pensam que vão?, indagou Lincoln.
- Almoçar — respondeu Bia.
- E dormir — acrescentou Carlos.
- Dormir? — assustou-se o diretor de redação. — Vocês só podem estar brincando. Quero todo mundo de volta até uma da tarde. Nós temos a edição de amanhã para fechar.

Santa Cecília não conteve o riso diante do desespero de Lincoln.
- Não posso falar por eles, meu amigo, mas falo por mim. Boa noite, Lincoln!
- Carlinhos…? Carlinhos, volte aqui!

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Cap 64 - Quebra-cabeça

Quando Paglia e Marco chegaram à delegacia, foram separados. Dom Armando permaneceu calado durante mais de uma hora, quebrando o silêncio apenas para pedir um advogado. Já Marco abriu a boca rapidinho e contou tudo o que sabia.

O plano de Paglia começara a ser posto em prática alguns anos antes, ainda na Itália, quando o mafioso recebeu a notícia de que seu filho havia sido assassinado durante o motim na prisão. À distância, ele ordenou que seus capangas se preparassem e avisou ao deputado que a quadrilha voltaria para seu controle.

Armando convenceu Tomasi a ajudá-lo e enviou o italiano para o Brasil com alguns meses de antecedência à sua chegada. O tempo deveria ser utilizado para identificar a rotina de Carlos Santa Cecília e seus possíveis aliados. Todas as informações eram repassadas ao deputado, que até pediu licença de suas responsabilidades em Brasília para se dedicar à vingança de Paglia.

Na verdade, desde o começo, Gianni Tomasi era apenas um instrumento e não o homem de confiança de Paglia. Durante todo o tempo, era Marco quem estava à direita do padrinho e provavelmente seria seu sucessor se o plano de matar Santa Cecília e cometer suicídio tivesse se concretizado.

Marco passou semanas seguindo Tomasi, sem que o italiano soubesse de sua existência. O objetivo era garantir que Gianni não faria nenhuma besteira. Quando Tomasi matou Bronson e Braddock, os temores de Armando haviam se mostrado plausíveis; o italiano estava chamando mais atenção do que deveria.

Durante a perseguição de Tomasi a Carlos e, posteriormente, de Ramos a Tomasi, Marco manteve-se todo o tempo atrás, a uma distância segura. Quando o italiano entrou no prédio próximo ao aeroporto, o afilhado de Paglia já sabia para onde ele iria: o escritório que controlava toda a movimentação de drogas e armas nas fronteiras do país, onde Tomasi recebia os pagamentos enviados pela quadrilha de Armando na Itália.

Marco se posicionou estrategicamente no edifício vizinho. Seu objetivo era matar Tomasi e quem o perseguia, para evitar que o italiano fosse preso e ao mesmo tempo garantir que ele não fizesse mais besteiras. Mas Marco identificou Ramos como sendo o oponente de Gianni. O capanga preferido de Armando conhecia a reputação do policial e sabia que se ele morresse, os esquadrões da morte da cidade caçariam o responsável e o fariam pagar pelo crime.

Em relação à morte de Leninha no apartamento de Fagundes, a armação era do deputado o tempo todo. O objetivo dele era eliminar todos os aliados de Santa Cecília. Havia planos preparados também para Bia, Catarina e Lincoln, mas as declarações de Renatinho Gordo fizeram Armando pular estas etapas.

O deputado, sem se identificar, convidou Fagundes para um almoço, oferecendo informações sobre o caso. E de fato, o parlamentar contou tudo o que sabia, mas durante a conversa, colocou um comprimido na bebida do jornalista. O “boa noite cinderela”, como era chamado, fez com que Fagundes quase apagasse ali mesmo no restaurante.

Na saída, o deputado se encontrou com Leninha, com quem também tinha marcado, e pediu para que ela o ajudasse a levar Fagundes para seu apartamento. O deputado já pretendia acabar seu relacionamento com a jovem há alguns meses, com medo que sua mulher descobrisse. A esposa do parlamentar já estava desconfiada e pretendia se divorciar, caso suas dúvidas se confirmassem. O deputado não estava disposto a perder metade de tudo o que tinha e ainda correr o risco de ter suas falcatruas divulgadas por uma ex-mulher vingativa.

Com Fagundes desmaiado sobre a cama, o deputado matou a amante. Utilizando informações colhidas por Tomasi, ele sabia o horário em que seria mais fácil sair do edifício sem ser visto. Já em seu carro, ligou para a polícia se passando por um morador e reclamou de alguns gritos no apartamento do jornalista.

O resto é história.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Cap 63 - Conversa entre amigos

Quando armando acordou, Paglia já estava no elevador. Dois policiais o seguravam, cada um de um lado. Foi arrastado até a viatura e lá ficou por alguns minutos, enquanto os tiras garantiam que estava tudo bem com Ramos.

Armando Paglia quase adormeceu novamente, mas voltou a si quando ouviu a porta da viatura bater. Era Carlos Santa Cecília.
- Seu maldito… — começou Paglia.
- Ei, Dom Armando, não acha que já falou demais hoje? — interrompeu Santa Cecília. — Agora é a minha vez de falar. Você me odeia, porque diz que a culpa do seu filho ter morrido na cadeia é minha. Mas a culpa é sua. Eu também te culpava por não ser mais repórter. Eu abandonei a reportagem porque tinha medo de que alguma coisa acontecesse às pessoas que eu amo. Sabe qual é a verdade? A culpa não é sua. A culpa é minha. É minha, porque enquanto eu for um bom repórter, vou incomodar gente como você. E esse tipo de gente é tão baixa, que faz qualquer coisa. Se a minha ex-mulher, se a minha filha ou se qualquer um dos maus amigos tiver que correr risco para que bandidos safados fiquem fora das ruas, que assim seja. Mas eu não volto a escrever aquela coluna por nada nesse mundo. A partir de hoje, eu volto a ser repórter, volto a apontar com o dedo tudo o que está errado. Avise aos seus amigos para tomarem cuidado comigo, porque eu voltei para o jogo.

Carlos bateu no vidro do carro para que um dos policiais abrisse a porta.
- E tem mais uma coisa — prosseguiu. — Se este fosse um país decente, você nunca mais sairia da solitária, mas sei que em dez, quinze anos você está de volta ao seu cartel. Quando este dia chegar, eu vou estar te esperando. Vou começar tudo de novo até que você esteja atrás das grades novamente. Isso nunca foi sobre você querer me matar. O tempo todo foi sobre eu querer você na cadeia.

Quando Santa Cecília saiu do carro, os policiais colocaram Marco na viatura. Ainda foi possível ouvir Dom Armando xingar alguém. Não se sabe se foi Carlos ou Marco o alvo do ódio, mas que Paglia estava furioso, todos tinham certeza.

Cap 62 - Jornalismo sangrento

Bia Lacerda e o fotógrafo Chico Antônio invadiram o edifício atrás de quatro policiais. Dois deles foram levados até lá pelos próprios jornalistas. Os outros dois foram chamados pelos moradores, muito assustados com os tiros e os gritos.

Quando chegaram, encontraram o corpo do deputado estirado no meio da sala. Em um dos cantos, Santa Cecília ajudava Lincoln a se soltar. Encostado na parede, Ramos fumava um cigarro de filtro amarelo e bebia whisky no gargalo. Seu ombro sangrava muito. Nada que um pouco de bebida não pudesse curar.

Armando Paglia estava estirado no chão, com a cara enfiada no tapete macio tingido de sangue.
- Ele morreu?, perguntou Bia.
- Ele não teve esta sorte. Está só descansando, esse folgado — respondeu irritado Ramos.

Paglia acertara o tiro no ombro de Ramos. Mas o bandido esquecera que havia deixado a arma com apenas duas balas. A primeira ficou no chão, quando atirou em Carlos. A segundo no ombro do policial. Enquanto tentava recarregar, Ramos se recuperou e deu uma surra inesquecível no mafioso.

A foto do rosto de Paglia contra o tapete foi uma das melhores já tiradas por Chico Antônio. Infelizmente, nunca foi publicada. “Este tipo de jornalismo sangrento”, disse Lincoln no dia seguinte, “não faz o estilo do Primeira Página”.

Cap 61 - Evidência

Catarina acompanhou Ramos pela escada quando os dois invadiram o prédio. Marco ficara desacordado na portaria. Catarina teria preferido subir de elevador, mas a experiência do policial lhe garantira que nunca se deve pegar o elevador, ou se torna presa fácil.

Subiram pela escada. Durante todo o percurso, todos os oito andares, Ramos lhe ordenara que tomasse distância. Teimosa como qualquer jornalista ela não obedeceu, a não ser quando chegaram no último andar e quatro capangas de Paglia saíram do apartamento.

Com uma leveza inacreditável para sua idade e peso, Ramos jogou cada um dos bandidos contra a parede. Apesar de ter uma arma na mão e ser conhecido por saber usá-la, havia momentos em que Ramos simplesmente preferia acabar com os criminosos com os próprios punhos, e assim ele fez. Apenas um tiro foi disparado, em um que recobrou a consciência e segurou Catarina pelo tornozelo.

Ramos e Catarina aproveitaram a escuridão do corredor para observar o que se passava na sala do apartamento do deputado. O policial não entrou até julgar que era necessário. Quando Armando estava prestes a atirar, Ramos se jogou sobre ele e evitou a morte de Santa Cecília no último segundo.
- Acabou, Dom Armando!, gritou Olavo Ramos, com o corpo sobre o criminoso, impedindo qualquer movimento.

Neste momento, Catarina entrou correndo no apartamento, o que distraiu Ramos. Atento, o último capanga de Paglia se aproveitou da distração para se aproximar, mas foi alvejado pelo policial.

Em pânico e se sentindo culpada por quase ter estragado tudo, Catarina se escondeu em um dos quartos, certamente o quarto do deputado. Na sala, um tiro e um gemido indicavam que nada havia saído como ela e Ramos haviam planejado. No quarto, porém, algo chamava mais sua atenção do que a ação do outro cômodo. O computador ligado mostrava um e-mail trocado entre o deputado e Leninha, a amante.

“Me encontre naquele bar próximo ao Primeira Página. Preciso de sua ajuda. O assunto é sério. Não conte para ninguém ou tudo estará acabado entre nós”, dizia a mensagem. Era o passaporte de Cosme Fagundes para a liberdade.

Cap 60 - No último segundo

Carlos Santa Cecília saiu detrás de uma das cortinas da sala, um dos lugares mais óbvios onde poderia estar escondido e, talvez por isso, onde ninguém pensou em procurar. Caminhou lentamente até a frente de Armando, que apontava sua arma para a cabeça de Lincoln.
- Largue a arma — ordenou Paglia.

O jornalista tirou a pistola que estava em sua cintura e com calma foi abaixando até colocar a arma no chão. Armando aproveitou que Carlos estava agachado para acertar um chute em seu rosto. O colunista caiu de costas no chão, com o nariz sangrando. Paglia empurrou a cadeira em que Lincoln estava para trás, fazendo o diretor de redação bater com a cabeça na quina de um móvel e desmaiar.

Enquanto Carlos não conseguia sentir nada além do próprio nariz, que latejava intensamente, Paglia se aproximou.
- Isto acaba aqui, Santa Cecília — disse o mafioso. Em seguida, Armando tirou o pente da arma e jogou for a os projéteis, até que só sobraram dois. — Primeiro você, Santa Cecília, depois eu.

O barulho de pessoas subindo a escada fez com que Paglia adiasse a concretização de seu plano novamente. Com um gesto, ordenou que seus capangas fossem até o corredor, ver se era Marco quem se aproximava. Apenas um dos bandidos permaneceu ao lado do chefe. Após alguns estalos e um silêncio prolongado, Armando voltou às ameaças a Carlos.
- A polícia já deve estar chegando, repórter. É melhor eu não me estender muito.

Com o braço esticado, os olhos arregalados e um princípio de sorriso, Armando se preparava para matar Santa Cecília. Do outro lado do cano, Carlos não esboçava reação alguma, como se contasse com alguma esperança ou como se ela não mais existisse.

O dedo de Armando foi chegando para trás, encurtando a vida do colunista. Na hora do tiro, Paglia fechou os olhos, mais para fantasiar o momento do que pelo susto do disparo. Quando abriu os olhos, uma fração de segundo mais tarde, notou que o tiro não pegou em Santa Cecília e que um homem muito corpulento o dominava.
- Acabou, Dom Armando!, gritou Olavo Ramos.

Do outro lado da sala, o capanga se aproximava para ajudar o chefe. Ramos, com um único disparo, acertou o joelho do bandido que largou a arma e caiu. Mas o policial não contava com a última bala de Paglia, aquela que colocaria o ponto final em todo o caso.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Cap 59 - Resgate

A viatura passou na porta do edifício do deputado muito rápido. Mas o tempo foi suficiente para Ramos perceber que Marco estava na portaria, aguardando qualquer intromissão. O policial estacionou na esquina e ordenou que Catarina não saísse de lá até que outros policiais chegassem. “Nem a pau”, respondeu ela.

Os dois seguiram pela Vieira Souto. Ramos pediu que a jornalista ao menos tomasse uma boa distância dele. Ao lado do portão, ele aguardava até a sombra de Marco indicar que o grandalhão se afastara da porta. Quando a sombra quase desapareceu, o policial enfiou o pé na porta, tentando arrombá-la em vão. O barulho atraiu a atenção do afilhado de Paglia, que correu para a porta. Com um tiro, Ramos conseguiu destruir o portão, totalmente feito de vidro, mas Marco logo o atingiu.

Os dois caíram no chão, com Marco sobre Ramos, socando-o no rosto.
- Vamos, gordão, apaga!

Ramos ficou furioso. Com toda a força que lhe restava, tirou o brutamontes de cima. Acertou o bandido com uma cabeçada e, em seguida, com o cabo da arma, golpeou a genitália de Marco.
- Eu não sou gordo — disse Ramos, cuspindo um pouco de sangue — sou proporcional!

Cap 58 - Apareça!

Os capangas carregaram o corpo que estava no corredor para dentro da sala. Não era Santa Cecília, como Paglia esperava, mas o deputado. Os bandidos vasculharam a casa uma última vez em busca do jornalista, mas nada acharam.

Dom Armando deu duas voltas no escritório pensando no que faria. Após aquele tiroteio, era provável que toda a polícia da Zona Sul estivesse indo para aquele edifício. Não havia muito tempo.
- Apareça, Santa Cecília!

Em um dos quartos, o capanga golpeado com o vaso de porcelana despertava. Armando não o perdoou e lhe acertou um soco.
- Para onde ele foi, seu imbecil? Me diga!
- O que…?

Antes que pudesse concluir a pergunta, Armando acertou um tiro na testa do bandido. Os outros capangas estavam receosos, mas sabiam que não podiam fugir.

Paglia não tinha idéia do que poderia fazer para que o jornalista aparecesse. A resposta estava no escritório. Armando pegou Lincoln pelo braço e o colocou sentado em uma das cadeiras, que foi empurrada até a sala.
Se você não aparecer, seu amigo morre!
- Não se preocupe, Carlinhos! Fuja — gritou o diretor de redação.

De um dos quartos, uma voz interrompeu a ameaça de Armando.
- Acabou a graça, Paglia — disse Carlos. — Estou saindo.

Cap 57 - Pé na tábua

Com a edição especial em mãos, Bia correu para o carro do jornal. No estacionamento, encontrou Chico Antônio. O fotógrafo tinha um caso com uma assistente comercial casada e marcava seus encontros no estacionamento do jornal.
- Onde você vai com tanta pressa?, interrogou o fotógrafo.
- O mundo está desabando, Chico. Vem comigo?
- Claro!

Seu Soares era o responsável pelo plantão da noite naquele dia e aproveitava o jornal vazio para polir o carro.
- Acabou a faxina, seu Soares — brincou Chico. — Pé na tábua que parece que o caso é grave!

No caminho, Bia explicou para o fotógrafo e o motorista o que estava acontecendo. Soares levou os dois até a delegacia mais próxima. Lá, Bia procurou um amigo de Ramos recomendado por Santa Cecília.
- Pois não?, zombou o policial.
- Tenho uma edição especial para o senhor.
- Dona, eu não to querendo assinar nenhum jornal…
- Sente um pouco, tome um café e leia. Se estiver interessado, podemos salvar algumas vidas e fazer algumas prisões ainda esta noite.

Cap 56 - Dinastia Ming

Armando Paglia gritava furioso que toda a culpa pelo que acontecera a seu filho era de Carlos Santa Cecília. O copo em sua mão já não tinha bebida, esvaziado enquanto o descendente de italianos gesticulava. Carlos já havia sido golpeado duas vezes: um soco na boca do estômago e uma coronhada no alto da testa, que sangrava um pouco.

Tomado pelo ódio, Armando virou-se para a janela, enquanto com a pistola, batucava no parapeito.
- Você tinha que se meter, seu cretino! Tinha que se meter!, repetia freneticamente o mafioso.

Paglia tirou o pente da arma, garantiu que estava carregada, puxou um crucifixo do bolso e fez uma oração. Quando virou-se de volta para Carlos, descobriu que o jornalista desaparecera.

Em uma dos quartos, um vaso de porcelana caiu, denunciando um movimento suspeito. Quando Paglia chegou ao cômodo, achou um de seus capangas caído e sem a arma. Armando fez sinal para os outros e iniciou a busca por Santa Cecília no amplo apartamento.

No escritório, o deputado aproveitava o descuido de Paglia. Com certo esforço, foi até a gaveta da escrivaninha e pegou uma pequena faca de abrir cartas.
- Não faça isso — disse Lincoln. O conselho foi ignorado pelo deputado.

Paglia e os capangas vasculhavam cada centímetro do apartamento até que um deles alertou para o som de passos na sala. Armando correu, apenas tempo suficiente para ver a porta se fechando. Com a pistola em punho, o mafioso atirou contra a madeira, ato mimetizado por seus comparsas. Um deles foi até a porta e constatou: um homem fora alvejado.

Cap 55 - Explicações

Olavo Ramos estava mais suado e sujo que o de costume. Há algumas horas, tentava explicar para outros policiais que ele não era o responsável pelo tiro que matou Gianni Tomasi. Seu envolvimento com grupos de extermínio garantiam que ninguém acreditasse em sua versão.

Catarina Casaverde chegou correndo à delegacia ela perguntou a alguns agentes onde estava Ramos, até que recebeu uma informação confiável. Em uma sala de interrogatório escura, o obeso policial contava pela centésima vez sua versão dos fatos.
- Ramos — chamou a editora, quando invadiu a sala, — Santa Cecília está em perigo. Ele foi encontrar o Armando.

O policial se levantou, mas foi empurrado por seus colegas de volta à cadeira. Furioso, ele empurrou um deles e foi em direção à porta.
- Olavo Ramos, volte agora ou você será preso!
- Pode fazer o que quiser quando eu voltar, mas agora eu preciso salvar um amigo.

Ramos e Catarina entraram em uma viatura que estava parada na porta da delegacia. O policial acelerou fundo, rasgando o asfalto.
- Boneca, é melhor você me contar tudo o que está acontecendo com o seu Santa!

Cap 54 - Edição especial

O celular de Carlos permanecia ligado, em seu bolso. No Primeira Página, Bia Lacerda ouvia tudo no viva-voz e escrevia o que podia.
- O que de tão importante você quer conversar comigo?, questionou Carlos.
- Quero explicar com calma porque eu vou te matar — disse Armando. — O meu filho… O meu filho era inocente nessa história toda, você sabe bem disso. O máximo que ele fazia para mim era cobrar um dinheiro aqui e entregar uma encomenda ali. Quem mandava em tudo era eu.
- Eu sei disso…
- Cale a boca! Quem mandava em tudo era eu e esse merdinha desse deputado, que se apropriou do meu império e agora quer me dar ordens. O meu filho não tinha nada a ver com isso. Por isso eu peguei a sua mulher. Na época, eu só queria te assustar. Mas se fosse hoje, Santa Cecília, ela teria sofrido muito mais e não voltaria para te contar a história.
- Desgraçado!

O som de um golpe assustou Bia, que aproveitava para gravar a conversa.
- Não tente nenhuma bobagem — prosseguiu Armando — ou nossa conversa vai terminar antes do previsto. Como eu estava dizendo, naquela época eu fui muito bonzinho. Mas o meu filho morreu por sua causa. Morreu porque nem para fazer uma matéria decente você sabe. O culpado era eu. Você tinha que me incriminar e não a ele.
- Eu fiz isso.
- Não! Você jogou a culpa no garoto. Se me permite, vou ler o título de uma de suas matérias. “Filho de Paglia comandava crime organizado”.
- Essa foi a conclusão da polícia. Se você ler o texto, vai perceber que eu continuo jogando a culpa em você.
- Eu sempre fui o chefe do crime! Eu sempre fui o culpado! Fui eu quem seqüestrou e torturou sua mulher! E sou eu quem vai te matar nesta noite!

Digitando quase em tempo real, Bia acrescentou todas as aspas possíveis de Paglia à sua matéria e desceu correndo para a gráfica do jornal. Lá, um dos funcionários lhe avisou que todos os exemplares já estavam impressos.
- Pois prepare uma edição especial — ordenou a repórter.

Cap 53 - Precisamos conversar

No portão do prédio, Santa Cecília era aguardado por Marco. Dez anos antes, Marco era apenas um menino, que via espantado a movimentação da polícia em sua casa durante a prisão do filho de Paglia. Marco era afilhado de Armando, filho de uma de suas empregadas. Era um homem imenso e muito musculoso que gostava de se exibir em camisetas muito apertadas. Trazia à cintura sempre uma pistola, que não fazia muita questão de esconder.
- O chefe está te esperando — disse Marco.

Carlos foi empurrado escada acima, com o troglodita de poucas palavras logo atrás dele. Na porta do apartamento, Marco fez sinal para que o jornalista esperasse, abriu a porta e conferiu para ver se estava tudo bem.
- Mande-o entrar, Marco — gritou Dom Armando, — e desça para garantir que ele veio sozinho.

Marco assentiu com a cabeça, empurrou Santa Cecília para a sala e voltou para a portaria. Da sala não era possível ver Paglia, mas em cada cômodo havia um bandido armado. “Eu não escapo desta vivo”, pensou o colunista. Uma conversa, ao longe, indicou o caminho a Carlos.

No escritório, Armando estava sentado tomando um copo de uísque. No chão, Lincoln e o deputado olhavam assustados, com medo das reações explosivas do mafioso.
- Eu já estou aqui, Paglia. Liberte o Lincoln.
- Lincoln? — explodiu Armando em uma gargalhada. — E quanto ao nobre deputado.
- Pouco me importa o deputado.
- Que merda de samaritano é você… Eu não vou libertar seu amigo e nem ninguém. Eu não voltei para o Brasil para sair vivo. Voltei para acabar com você e quero muitas testemunhas disso.
- Então acabe logo com isso e vamos encerrar esta história, que ela já se arrastou por tempo demais.

Dom Armando apontou uma cadeira para Carlos.
- Antes, sente-se aí. Nós temos algumas coisas para conversar.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Cap 52 - Fora do caminho

No edifício em Ipanema, Armando aguardava a chegada de Santa Cecília. Seria o momento da vingança, de retribuir pelos últimos dez anos e pela morte de seu filho. Num canto, amarrado e amordaçado, Lincoln tentava respirar.

O apartamento tomava toda a cobertura de um edifício da Vieira Souto. Pertencia ao deputado, que era comparsa de Armando desde o início. Ele ficara responsável por cuidar dos negócios sujos após a ida de Armando para o exterior. E utilizara o dinheiro do crime para se reeleger duas vezes.

O deputado não estava satisfeito com o rumo das coisas. Em primeiro lugar, acreditava que a forma como ele guiara os negócios nos últimos anos deveria ser respeitada. Além disso, por mais que gostasse do dinheiro ilícito, não era chegado a assassinatos, o que estava prestes a acontecer.
- Eu quero sair fora, Armando.
- Como assim sair? Agora que estamos começando a nos divertir…
- Eu não gosto de violência. Eu até tentei convencer o Santa Cecília a ficar fora do seu caminho.
- Não foi aquele reporterzinho que entrou no meu caminho, nobre deputado. Fui eu que entrei no dele. Eu só voltei para o Brasil para matar este miserável.
- Armando, vamos fazer o seguinte… Você pega esse jornalista que você seqüestrou e sai da minha casa e fica tudo bem entre a gente.
- Acho que não, deputado. Agora eu já dei o seu endereço para o Santa Cecília e ele está vindo para cá.
- Então você fica e eu saio.
- Não funciona assim, caro parlamentar. Quem manda aqui sou eu e você vai fazer do meu jeito. Além do mais, você tem imunidade, não sei porque está tão preocupado.
- Porque pessoas vão morrer.
- Pessoas morrem todo dia. Se você não calar a boca, o próximo vai ser você.

Com um simples gesto de Armando Paglia, três capangas se aproximaram do deputado. Um deu um soco em sua nuca e os outros dois o amarraram. Ele foi jogado no canto ao lado de Lincoln.

Cap 51 - Despedida

Carlos acelerava seu carro pelas ruas da cidade sem olhar para frente. Com o celular, tentava contatar Ramos, que não atendia. Desesperado, ligou para Catarina e pediu para que ela encontrasse o policial.

Pela cabeça de Santa Cecília, passava muita coisa. Ele se lembrava do seqüestro de dez anos atrás, quando sua mulher grávida for a torturada por Armando. Desta vez, era seu amigo quem servia de refém.

O colunista nunca duvidou que Paglia pudesse matá-lo, como havia prometido muitos anos antes, na carta e na recepção no aeroporto. Mas Carlos não queria que ninguém pagasse por sua ousadia.

Ainda no celular, Santa Cecília ligou para a ex-mulher.
- Ana?
- Carlos… Você sabe que horas são?
- Não… Tenho dificuldades com o fuso horário. Será que eu posso falar com a Teresa… É muito importante.

Não demorou para que a filha atendesse.
- Pai?
- Oi, filhota. Como estão estas férias forçadas?
- Legal. Eu gosto de viajar, mas preferia estar com as minhas amigas na escola.
- Eu sei, filha, isso já vai acabar. Só liguei para dizer que te amo, está bem?
- Você está legal, pai?
- Estou sim, meu anjo. Só precisava falar com você. Deixa eu falar de novo com a sua mãe.

Ana voltou ao telefone.
- O que houve, Carlos? Eu sei quando você não está bem.
- Ana… O nosso pesadelo acaba esta noite. Depois de hoje, o Armando não vai mais perturbar a gente.
- Carlos, você…
- Eu vou resolver isso. Mas se alguma coisa der errado, eu só quero que você saiba que eu amo vocês duas. Eu tenho juntado dinheiro… Se alguma coisa acontecer, ele vai todo para vocês. E é melhor vocês não voltarem para o Brasil.
- Carlos… — chorava a mulher.
- Não se preocupe, Ana. Não se preocupe.

Santa Cecília desligou. Sem pensar, ligou para Bia.
- Bia? Escute bem. Eu não vou desligar meu telefone. Deixe no viva-voz, grave e use tudo o que você ouvir da melhor forma possível.
- Boa sorte, Santa Cecília.
- Eu vou precisar.

Carlos Santa Cecília estacionou em frente ao prédio indicado por Armando Paglia. Ele preferiu deixar de lado a gravata e o terno que usava todos os dias, afinal aquelas poderiam ser suas últimas horas.

Cap 50 - Direto da gráfica

Sentados no chão da gráfica, Carlos e Bia comem sanduíches e batatas fritas.
- Obrigado, Bia…
- Por quê?
- Eu sei que você não gosta muito de mim e tudo mais… Mas foi você quem mais trabalhou nesta cobertura.
- Não fui só eu. A Juliana e o Pacheco me ajudaram muito descobrindo sobre o Tomasi. Aliás, o que aconteceu com ele?
- Não sei bem. Falei com o Ramos agora há pouco e ele me disse que um tiro misterioso matou o italiano. Acho que ele executou o cara, mas não quer contar…
- Pode ser.

Os dois jornalistas foram interrompidos quando um dos funcionários do jornal chegou com o primeiro exemplar em mãos. A manchete dizia: “Empresário envolvido com crime organizado e assassinatos”. Uma foto grande de Armando e uma menor de Tomasi estampavam a primeira página.

Enquanto Santa Cecília folheava a edição, seu celular tocou. O aparelho indicava que era Lincoln quem ligava.
Ei, Lincoln, você não vai acreditar. O primeiro exemplar acabou de chegar à minha mão.
- Se mais alguém ler — dizia uma voz conhecida — seu amigo morre.
- Armando?
- Você vem se encontrar comigo e com seu amigo. Vocês serão a minha garantia de que nada vai acontecer.

Cap 49 - Rio Branco

Lincoln descia pelo elevador se perguntando o que faria naquela noite. Seria seu aniversário de casamento, se ele não tivesse se divorciado pela milésima vez. Com a recusa de Santa Cecília em acompanhá-lo em um drinque, restava apenas beber sozinho em um bar.

Assim que colocou os pés na rua, o diretor de redação teve certeza de estar sendo seguido e se arrependeu de não ter saído de carro. As passadas foram se aproximando e Lincoln tentou apertar o passo. No início da madrugada, não há nada aberto na Rio Branco, o que o impedia de entrar em alguma loja em busca de abrigo.

Conforme as passadas se aproximavam, o coração frágil do jornalista acelerava. Mas qual foi a surpresa quando o homem que o seguia simplesmente o ultrapassou fazendo sinal para um ônibus. Lincoln respirou aliviado e acendeu um cigarro para relaxar.

Assim que devolveu o isqueiro ao bolso, um carro rasgou a avenida. Dois homens saíram do veículo, apanharam Lincoln pelos braços e o jogaram no banco de trás.

Era madrugada na Rio Branco e não havia viva alma no Centro para chamar a polícia ou anotar a placa do carro.

Cap 48 - No hospital

Muitas horas após ser esfaqueado na cadeia, Cosme Fagundes acordou em um hospital. Pelo vidro da porta, era possível ver o policial de guarda. Fagundes investigou o próprio corpo e descobriu que for a a facada em si, nada doía. Era como se a faca tivesse entrado com o cuidado de não provocar danos. O mistério acabou quando Catarina chegou.
- Isso é coisa sua, Catarina?, interrogou o chefe de reportagem.
- É claro! Você achou que eu ia te deixar naquele lugar horroroso com um monte de bandidos perigosos. Paguei ao carcereiro para arrumar um jeito de te tirar de lá.
- Muito obrigado — debochou Fagundes.
- Ei, não foi idéia minha a facada, mas até que funcionou. Descobri uma coisa… A mulher que estava morta no seu apartamento se chama Maria Helena e ela era amante daquele deputado. O garçom já tinha me dito que você se encontrou com ele no restaurante e eu achei uma foto dos dois no apartamento dela.
- Eu… Eu não me lembro de nada…
- Não precisa. Eu vou continuar investigando. Assim que amanhecer eu volto. Não se preocupe… Você vai estar de volta ao jornal antes mesmo de receber alta.

Cap 47 - Ponto final

Quando viu as iniciais, Carlos deu um pulo. Precisava contar para alguém. De um lado estava Lincoln, seu amigo e confidente, o único que apoiava suas escolhas. Do outro, Bia, com quem não tinha a melhor das relações. Até Santa Cecília se surpreendeu quando foi contar primeiro para a colega repórter.
- Sabe o que é isso?, desafiou Carlos.
- O que?
- Estas iniciais — respondeu, apontando “D.A.”, em um dos documentos. — São as mesmas que assinam a carta que eu recebi. É Dom Armando, a prova que a gente precisava para mandar o Paglia para trás das grades.
- Lembra do cara que queria a transferência?, perguntou Bia, referindo-se a Renatinho Gordo.
- O que tem?
- Ele era um dos que cuidaram do cativeiro da sua ex-mulher. E ele me contou tudo o que sabia sobre o seqüestro. Disse que o Paglia recebia em casa vários traficantes e que em uma dessas visitas disse que queria dar uma lição em você, para que não se metesse mais onde não é chamado.
- Pelo visto não deu certo — interrompeu Lincoln, que ouvia a conversa de longe.
- Além do mais — prosseguiu Carlos — ele vai mudar o depoimento quando for comprado pelo Armando.
- Não vai, não. Ele está jurado de morte porque é pedófilo. A transferência era pra mantê-lo distante da antiga facção. Se ele mudar o testemunho, corre o risco de ser mandado para uma prisão comum, e disso ele morre de medo.
- Acho que já dá para começarmos — encerrou o diretor de redação.

Santa Cecília e Bia Lacerda sentaram-se lado a lado, buscaram suas anotações e juntos escreveram a matéria. Lincoln, logo atrás, revisava o texto em tempo real. Quando o ponto final riscou o papel, o diretor selecionou algumas fotos de Chico Antônio e ordenou que o material fosse para a gráfica imediatamente. Carlos nem quis esperar um contínuo. Foi sozinho até as máquinas e entregou o disco com a página pronta e a primeira página para a impressão imediata.
- Quer tomar alguma coisa, Carlinhos?, convidou Lincoln.
- Não posso… Só saio daqui com o jornal na mão — disse Carlos.
- Então está bem… Eu já vou.
- Às seis esse jornal estará na sua porta, Lincoln. E eu estarei lá para entregar.
- Às seis você vai estar dormindo, Carlinhos. Dormindo.

Cap 46 - Leninha

- Maria Helena Cunha… Vinte e dois anos… Estudante de administração… Solteira… Obrigado. Acho que isso já me ajuda.

A informação era certeira e não tinha custado muito caro. Por R$ 300 um perito aposentado descobria a identidade de qualquer cadáver. A conta, é claro, não era paga pelo jornal e o perito não fornecia nota fiscal.

Com o nome da vítima em mãos, Catarina só precisava descobrir quem ela realmente era. Uma busca rápida na internet apenas apresentou uma infinidade de homônimas. Nada concreto para começar a busca. Mas ao somar o curso de administração, a editora chegou até o nome de uma faculdade.

Pelo telefone, a faculdade se recusou a dar maiores informações, mas a atendente deixou escapar o nome de uma empresa em que ela estagiava. Na empresa, uma colega deu o número do celular da vítima. Catarina sabia que ninguém atenderia, mas era o suficiente para descobrir o endereço.

Mesmo no meio da noite, Catarina Casaverde pegou um táxi e foi até o endereço indicado. Lá, a mãe de Maria Helena, ou Leninha, como era chamada atendeu.
- Eu estou procurando a sua filha — disse a jornalista.
- Eu lamento, mas ela ainda não voltou — respondeu a mãe, claramente abatida.
- Será que eu poderia conversar com a senhora por um momento?

Quando Catarina revelou que a menina estava morta, a mãe começou a chorar. A editora chegou a pensar que adotara a estratégia errada, que talvez devesse apenas colher algumas informações, mas não podia deixar aquela mãe aflita com o desaparecimento da filha. Depois de se recuperar, a mãe desabafou:
- É tudo culpa daquele canalha, daquele bastardo que roubou minha filha.
- De quem a senhora está falando?
- O namorado dela… Bem, ela dizia que era namorado dela, mas eu aposto que ele tinha esposa. Se não, por que nunca veio aqui em casa dizer que queria um relacionamento sério com a Leninha?

Catarina aproveitou o choro da mãe para pedir licença e ir ao banheiro. Na verdade, queria ir ao quarto da menina procurar alguma pista de quem era este namorado. Olhou em algumas gavetas, mas não havia bilhete ou número de telefone que lhe servisse para apurar o caso. Enquanto folheava uma agenda, foi surpreendida pela mãe da menina.
- Acho que já está na hora de você ir embora, moça.

Antes de sair, Catarina ainda olhou o quarto uma última vez e sobre a escrivaninha estava tudo o que ela precisava. Uma foto guardava para a eternidade um momento feliz vivido por Leninha e o namorado. E certamente aquele homem era o responsável pela prisão de Fagundes… o deputado.

Cap 45 - Os documentos

Suado e exausto, Carlos consegue voltar para o Primeira Página. Conseguiu pegar um táxi no Aterro que o levou até a Rio Branco, onde está a sede do jornal. O colunista caminhou até sua mesa, sentou-se e puxou o fone do gancho para ligar para a seguradora. O carro ainda estava no canteiro da pista e precisava ser rebocado.

Lincoln se aproximou, questionando o estado de Santa Cecília. O jornalista já estava preparado para contar a tentativa de assassinato quando viu, sobre a mesa ao lado de Bia Lacerda, as cópias dos documentos que ela pedira aos contínuos.

Carlos se lançou sobre os papéis e voltou a analisá-los. Ele sempre teve a certeza de que a polícia e o próprio não tinham investigado os documentos da forma adequada, mas nunca revisou o material porque prometera a Ana que ficaria distante daquele caso.

Os documentos basicamente eram cadernos com anotações. Haviam alguns apelidos e valores em dinheiro. Segundo a polícia, era a movimentação de alguma quadrilha. Como estavam em posse do filho de Armando na ocasião da busca, os investigadores determinaram que pertencia a ele. Carlos não tinha esta certeza.

Durante quase duas horas, o colunista se dedicou com afinco àquelas fotocópias de rabiscos do crime organizado. Tanto tempo, que alguns começaram a fazer sentido. E numa página qualquer de um caderno qualquer, Santa Cecília encontrou duas iniciais que poderiam virar o jogo a seu favor.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Cap 44 - Pelo Aterro do Flamengo

Ramos acelerava seu carro o máximo que podia. Mesmo com as inúmeras batidas, o carro azul de Gianni Tomasi se mantinha firme à frente. Os dois seguiram pelo Aterro até o Mourisco, quando o italiano fez a volta e pegou o Aterro em direção ao Centro.

A distância que separava os carros não sofreu grande alteração em todo o percurso, mas Ramos tinha certeza de que não era na perseguição que ele conseguiria impedir o êxito do capanga de Dom Armando. Era na bala. E no meio da cidade ele não poderia disparar contra o italiano.

Tomasi subiu em uma calçada já na Glória. Atravessou uma rua na contra-mão e saltou do carro, correndo para dentro de um prédio. Ramos ainda nem tinha saído de sua viatura e já se sentia cansado de ter que correr atrás do bandido.

No edifício, não foi complicado seguir o italiano. Grande e corpulento, ele fazia muito barulho quando corria. Mas também não seria fácil para Ramos chegar de surpresa, já que obeso como era fazia tanto barulho quanto o capanga.

O policial seguiu Gianni Tomasi até uma sala. Lá, foi recebido com um soco na boca do estômago. Os dois brigaram por um tempo e a arma de Ramos foi arremessada do outro lado da sala. Olavo apanhou um bocado, até que conseguiu se desvencilhar do gigante e correr na direção de sua pistola de estimação.

Assim que pegou a arma, foi novamente golpeado, com um chute na cabeça que o deixou desnorteado. Ramos ficou caído no chão, olhando Tomasi, que pegou de volta sua barra de ferro e estava prestes e partir o crânio do policial.

Ramos ouviu um barulho de tiro e viu o vidro da janela se espatifar em milhões de cacos. Tomasi caiu de joelhos, soltou a barra e tombou para o lado. Na cabeça uma imensa marca de bala e o cérebro estourado na parede. Não houve testemunhas.

Cap 43 - Transcrição da entrevista

Bia Lacerda tinha uma fita cassete à sua frente e um gravador. A repórter procurou a posição mais confortável na cadeira, colocou os fones no ouvido e começou a bater a matéria. Ela ouvia a voz de Renatinho Gordo, em um tom claramente desesperado.

Durante toda a tarde, ela escreveu a reportagem, até que se deu por satisfeita. Tentou confirmar alguns dados com Santa Cecília, mas o colunista não atendeu. Ainda que sozinha, sem o apoio dos estagiários e dos superiores, todos na rua, com exceção de Lincoln, que não saía do telefone, a jovem concluiu seu trabalho.

Só faltava agora aguardar a repercussão e rezar para que o jornal não chegasse à rua tarde demais.

Cap 42 - Perseguição

Carlos saiu do aeroporto em seu carro. Estava sozinho, pois Ramos lhe garantiu que precisava de um tempo sozinho para resolver umas outras coisas. Havia uma pequena retenção na Linha Vermelha, próxima à Ilha do Fundão, mas dali em diante o trânsito fluía.

Santa Cecília deveria voltar para o Primeira Página. Além de ser um lugar relativamente seguro, ele tinha que se dedicar mais à reportagem. Isso, sem falar que há três dias sua coluna era fechada por um interino que ele só conhecia de nome.

Quando se aproximava da Leopoldina, o colunista se deu conta de que um carro azul o seguia. Carlos trocava de pista, acelerava e depois reduzia a velocidade. O carro azul permanecia na cola dele não importava o que fizesse.

Carlos desistiu de ir para o jornal. Puxou o celular e ligou para Ramos.
- Ramos, eu tenho quase certeza de que estou sendo seguido.
- Que isso, seu Santa. Mas você acha que querem te matar ou só assustar?
- Acho que só assustar — nisso, o carro azul golpeou o carro de Santa Cecília. — Pensando bem, Ramos, ele quer me matar. To indo para o Aterro — e desligou.

Por mais quinze minutos, o carro de Santa Cecília foi seguido pelas ruas do Rio de Janeiro. O colunista passou por quatro viaturas da polícia e nenhuma delas achou estranho um carro amassado na traseira sendo seguido por um carro amassado na dianteira.

No Aterro, o carro azul emparelhou. Gianni Tomasi dirigia e sorria enquanto cantava uma música qualquer que tocava no rádio. Toda vez que Carlos tentava escapar, o italiano golpeava seu carro novamente. Próximo ao Flamengo, o veículo do colunista foi jogado contra um canteiro e se chocou numa árvore.

Tomasi estacionou no acostamento e saiu do carro com uma barra de ferro nas mãos. Estava realmente disposto a golpear Carlos até a morte na frente de todos os que passavam por uma das vias mais movimentadas da cidade.

O italiano parou na frente de Santa Cecília, cuspiu para o lado e levantou a barra. Carlos apertou os olhos, mas pelo sol que estava atrás de Tomasi do que pelo medo da morte. Quando reabriu, se deu conta de que o capanga de Armando corria de volta para o carro com Olavo Ramos logo atrás dele.

Cap 41 - Vizinhança hostil

Fagundes ainda não sabia o que estava acontecendo. Há algumas horas na prisão, ele ainda se sentia incomodado com a dor de cabeça. A mesma desde que acordara e se deparara com a garota morta em seu apartamento.

A vizinhança não era a mais amigável. Todos sabiam quem ele era e imaginavam que ele contribuíra para que todos tivessem parado atrás das grades. “Jornalista deveria ir para um presídio próprio”, pensava ele.

Cosme Fagundes estava muito cansado, mas não conseguia dormir. Não tinha coragem de fechar os olhos e ficar à mercê de todos aqueles que de longe o observavam a faziam gestos que deixavam claro que sua hora estava próxima.

No meio da tarde, um carcereiro entrou na cela. Do bolso da calça, puxou um maço de notas de cinqüenta reais, que foi distribuindo uma a uma a todos os presos, exceto Fagundes, que preferiu se virar e não ser testemunha do que estava acontecendo.

O carcereiro se aproximou dele mesmo assim e disse baixinho em seu ouvido:
- Eu tenho um presente para você também!

O chefe de reportagem setiu algo invadir sua barriga. O carcereiro tinha uma faca nas mãos e a barriga de Fagundes sangrava muito. A camisa branca se contaminava de vermelho e Cosme desmaiava enquanto ainda tentava entender o que se passava.

Cap 40 - Desembarque

Eram quase três da tarde quando Armando Paglia saiu da sala de desembarque. Carlos já o aguardava, bem como alguns dos antigos amigos do criminoso. Paglia cumprimentava cada um deles quando percebeu que Santa Cecília o observava de longe.

- Deveria ter trazido uma placa com o meu nome — disse Dom Armando. — Seria mais fácil de te identificar.
- O que é isso, Armando? Bons amigos sempre se reconhecem.
- O que veio fazer aqui? Achei que nos veríamos apenas mais tarde.
- Estava tão ansioso que não podia esperar mais um minuto para lhe dar uma braço. Como vai seu filho?, debochou Carlos.
- Tão bem quanto a sua filha vai ficar — devolveu Paglia. Carlos sentiu uma pontada no coração.
- Vamos interromper essa palhaçada. O que você quer afinal?
- O que eu quero, Santa Cecília? Eu quero a sua cabeça em cima da minha lareira.
- Por que não vem pegá-la agora?
- Como sempre, vocês jornalistas não têm a mínima elegância. Sua hora vai chegar, mas antes eu tenho outros compromissos.

Paglia se afastou de Carlos para falar com seus amigos. Súbito, deteve-se e gritou:
- Ei, Santa Cecília! Quer dividir um táxi até o Centro?

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Cap 39 - O garçom Genaro

Pouco antes da hora do almoço, Catarina Casaverde saiu do Primeira Página e foi até o restaurante onde Cosme Fagundes teria almoçado no dia anterior. Lá, ela procurou Genaro, o garçom de confiança do chefe de reportagem.
- Genaro, eu preciso saber o que aconteceu aqui ontem.
- Não sei do que a senhora está falando.
- O meu amigo Fagundes, o jornalista, esteve aqui ontem.
- Esteve sim. Ele almoçou mais um camarada naquela mesa de sempre.
- Você sabe quem é o camarada?
- Sei não senhora, a mesa do seu Fagundes é num canto escuro. Mas…
- O quê?
- Mas — continuou o garçom esfregando os dedos da mão — se a senhora me perguntasse com jeitinho…

Catarina sacou duas notas de cinqüenta do bolso.
- Como eu estava dizendo — seguiu Genaro — o homem parecia muito com aquele deputado… Sabe?, aquele meio careca que gosta de reclamar do governador no jornal.

A editora agradeceu e correu de volta para o jornal. No caminho, ligou para um perito que fazia serviços particulares.
- Bastos? Preciso da identificação de uma vítima. O preço de sempre?

Cap 38 - Os primeiros raios do último dia

Fagundes passara a noite em claro. Estava apavorado com a cadeia, mas também lhe preocupava a lentidão da polícia em esclarecer o que acontecera na tarde do dia anterior. As portas das celas se abriram e um antipático agente penitenciário gritou “Banho de sol”, como se fosse uma coisa boa.

O chefe de reportagem foi até um pátio enlameado, e sentou-se em um banco em um canto. Ele conhecia as pessoas que estavam ali. Seus novos companheiros eram políticos corruptos, profissionais liberais assassinos, bacharéis criminosos. Toda sorte de gente que ele julgara por anos nas páginas de seu jornal.

Um deles, Paulo Alencar, mais conhecido como o Médico Monstro que devorou toda uma família de pacientes, exigia que Fagundes se levantasse do banco. Outros, vereadores e secretários de governo, que bem sabiam quem o jornalista era, apontavam de longe.

Fagundes sentiu um esbarrão por trás que o jogou ao chão. Um homem sorridente, ex-delegado acusado de receber propina do tráfico, lhe sorriu e estendeu a mão.
- Aproveite bem os primeiros raios de sol de seu último dia de vida.

Cap 37 - Câmera de segurança

Ramos e Santa Cecília estavam no carro do colunista, indo para a casa dele. Desta vez, Carlos dirigia, enquanto o policial terminava de confirmar a transferência de Renatinho Gordo para uma penitenciária paraense.
- Sabe, seu Santa, esse favor que eu estou te fazendo só prova o quanto nós somos amigos. Porque eu cobrei muitos favores antigos para conseguir isso. Favores que poderiam me garantir uma aposentadoria confortável.
- Ramos, sejamos honestos. Você ganha tanta grana por fora que obviamente vai ter uma aposentadoria muito confortável. Isso, se você sobreviver até a aposentadoria.

Ramos deu uma boa gargalhada, daquelas que chegam a fazer o nariz vibrar tal o grunhido de um porco.
- Ai, seu Santa, só o senhor para me fazer rir numa hora dessas.

Carlos estacionou em frente à sua casa. Ramos saiu, abriu o porta-malas e pegou duas pistolas e uma cadeira de praia. Abriu a cadeira na jardim e sentou-se.
- Pode ir dormir. Hoje quem tá na patrulha sou eu e comigo não tem brincadeira.
- Ei, Ramos. Pode entrar lá em casa, não precisa ficar aqui fora.
- Seu Santa, o senhor entende de escrever. Eu entendo de matar coisa ruim. É melhor cada um fazer o próprio trabalho.

Santa Cecília se despediu do policial e entrou. Ramos ficou sentado no jardim, observando se algo suspeito se aproximava. Enquanto tomava conta dos arbustos das outras casas, notou que uma das residências ostentava uma câmera de vigilância. O ângulo era perfeito: cobria o local onde Braddock e Bronson haviam sido assassinados.

Ramos correu para a casa, apenas tempo suficiente para reparar que as luzes estavam apagadas e a garagem estava vazia. O obeso policial forçou a porta até que abrisse e achou o lugar onde a gravação da câmera era feita. Com pouca habilidade com equipamentos eletrônicos, demorou um pouco até que descobrisse o ponto certo.

Nas imagens, um homem encapuzado se aproximava da pick-up preta por trás e com pistolas com silenciosos apagava os seguranças. Em seguida, ao perceber a câmera na casa vizinha, tirava o capuz e sorria. Era grande e forte, como nas descrições de Gianni Tomasi. Em seus lábios era possível ler a frase “Dom Armando manda lembranças”.

Cap 36 - Confissão

- Para onde?, perguntava Bia a Santa Cecília pelo celular. — Está bem. Tchau.

- E então, dona repórter, quais são as novidades?, debochava Renatinho Gordo.
- Consegui umas férias para você.
- Onde?
- No Pará.
- Comoéqueé? No Pará? Você está de brincadeira. Aquilo é quente pra cacete e cheio de mosquito.
- Gordo, eu acho que você não está em posição de recusar.
- Se a senhora não se lembra, eu tenho informações valiosas.
- E se você não lembra, eles vão te matar. Acho que você tem mais a perder que eu.

Renatinho socou a mesa, abaixou a cabeça e falou uma dúzia de palavrões. Depois esfregou as mãos no rosto e bebeu um gole de água.
- Estou calmo, dona. Estou calmo.
- Se você não começar a me ajudar, meu amigo vai retirar a oferta de transferência.
- Está bem, repórter, eu vou falar. Pergunta que eu respondo.

Bia tirou da bolsa um gravador e colocou sobre a mesa.
- Você estava envolvido no seqüestro de Ana Santa Cecília?
- Dona, eu não sei o que a senhora acha que é maldade, mas o que fizeram com aquela moça é ruim até para gente como eu.

Cap 35 - Na delegacia

Ainda na sala onde for a interrogado, Fagundes aguardava ser levado para uma cela. Como tinha nível superior, teria mais conforto do que uma prisão cheia de ratos com cheiro de mofo. Mesmo assim, a idéia do cárcere o amedrontava. Enquanto pensava no pior, a porta rangeu e deu passagem a Catarina Casaverde.
- Catarina!
- Fagundes! Eu estava preocupada. Te liguei o dia todo e passei no seu apartamento. O porteiro disse que você estava aqui. Você não matou aquela mulher, não é?
- Não… Eu não sei… Eu não me lembro de muita coisa.
- Você acha que armaram para você?
- Pode ser — refletiu Fagundes. — Mas quem?
- Você tem algum inimigo?
- O Santa Cecília me odeia.
- Além dele…?
- Acho que não.
- Eu vou tentar descobrir o que puder. Falei com alguns peritos e eles só terão identificação positiva da vítima em dois dias.
- Dois dias?
- Eu sei que é muito tempo. Vou investigar por conta própria. Assim que souber de alguma coisa, volto aqui e te aviso.

As mãos de Fagundes buscaram as de Catarina.
- Fique tranqüilo — disse a editora. — Eu vou te tirar daqui.

Cap 34 - Transferência

Quando Santa Cecília desligou o telefonema de Bia Lacerda, virou-se para Ramos e pediu:
- Você vai ter que me ajudar.
- O que quer, seu Santa?
- Um preso vai ser morto na cadeia. Mas ele tem informações que nos interessam. Como podemos afastá-lo dos outros presos?
- Não vai ser nada fácil.

Ramos puxou seu celular, ligou para umas pessoas, que lhe passaram números de outras pessoas até que surgiu a solução.
- Resolvi nosso problema, seu Santa!
- E então?
- O garoto vai para uma penitenciária do Pará.
- Do Pará?
- Eu tentei um resort na Costa do Sauípe, mas isso foi o melhor que eu consegui.

Cap 33 - Interrogatório

Fagundes estava algemado, sentado em uma cadeira de ferro presa ao chão, em uma sala úmida com um grande espelho, que certamente escondia pessoas que o observavam. A porta se abriu e dois policiais apareceram. Um, muito simpático e falastrão, sentou-se à sua frente e lhe ofereceu cigarros. “Não fumo”, disse o chefe de reportagem. O outro permanecia próximo à porta, sem abrir a boca.

- É o seguinte, senhor Cosme… Posso te chamar de Cosme?, quis saber o tira bom. Fagundes assentiu com a cabeça. — Nós precisamos saber exatamente o que aconteceu hoje à tarde.
- Eu já disse mil vezes. Eu não me lembro.
- Cosme, eu já perdi as contas do número de vezes que alguém entra aqui e me diz que não se lembra do que aconteceu. Mas a verdade é que todos lembram.
- Eu estou falando sério. Minha cabeça dói muito e eu estou me sentindo enjoado. Acho que fui drogado. Por que não fazem um exame toxicológico?
- Calma, calma. Nós vimos a moça que estava com você. Ela era uma beleza. Certamente vocês devem ter dado um teco ou fumado unzinho. E tudo o que você quer é tempo para bolar uma boa história.

- Escuta aqui — aproximou-se o tira mau. — Por que não conta tudo o que você lembra?
- Eu já disse, eu fui almoçar com uma fonte.
- E quem é essa fonte?
- Em primeiro lugar, eu não sou obrigado a entregar as minhas fontes. Mas a verdade é que eu não sei quem era. O homem me ligou falando de um informante e disse que tinha algo que me ajudaria em uma matéria.
- A que horas você foi para lá?
- Na hora do almoço, não sei ao certo. Talvez meio dia e meia.
- E o que aconteceu depois.
- Eu saí do jornal e fui até o restaurante combinado. Perguntei para um garçom se alguém me esperava e... Não me lembro de mais nada até a hora em que acordei.
- E como aquela mulher foi parar em seu quarto? Quem é ela?
- Talvez se você pararem de me interrogar e começarem a investigar, fique mais fácil. Por que não descobrem se eu tive relações sexuais com ela e levantam a identidade pelas digitais. A hora da morte também pode ajudar.

domingo, 31 de agosto de 2008

Cap 32 - Visita social

Alguns policiais acompanharam Bia Lacerda até uma sala. Alguns minutos depois, Renatinho Gordo foi conduzido ao mesmo recinto.
- Já estava com saudades, repórter!
- Por que me chamou aqui.
- Em poucos minutos, esses caras vão me colocar em uma cela comum. Por enquanto eu estou isolado, mas daqui a pouco eles vão me colocar com outros presos.
- E aí você morre.
- É. E isso não vai ser bom nem para mim nem para você.
- Então me conta o que eu quero saber.
- Primeiro você me consegue uma cela especial – disse o Gordo.
- Eu não sou promotora, sou só jornalista.
- Então tudo o que eu sei vai morrer comigo.

Bia se afastou. Puxou uma pequena agenda do bolso e vasculhou todos os nomes sem achar um que pudesse lhe ajudar. Desesperada, ligou para Santa Cecília.
- Preciso de sua ajuda – disse Bia. – É urgente.

Cap 31 - Nove da noite

Já era noite e Cosme Fagundes ainda não tinha dado retorno de seu almoço com a fonte. Ele havia pedido a tarde de folga, mas já deveria ter voltado para o jornal. Catarina Casaverde ligava insistentemente para seu celular, mas ninguém atendia.

Fagundes despertou em sua casa. Estava tudo apagado e sua cabeça doía muito. O telefone tocava e a campainha tocava. O chefe de reportagem se levantou de sua cama, sem saber ao certo porque estava em casa. Só lembrava de ter saído do jornal e ido a um restaurante próximo e mais nada.

No caminho para fora do quarto, Fagundes tropeçou em algo. Na porta de casa, alguém chamava por ele e insistia que ele abrisse depressa. Cosme acendeu a luz e quase caiu para trás quando viu em que tinha tropeçado. Uma mulher nua estava morta no chão e ele e o quarto estavam sujos de sangue. Uma faca estava jogada em um canto. Fagundes, sem pensar correu dali e abriu a porta de casa. Quando olhou, alguns policiais já o aguardavam.

Cap 30 - Emergência

No hospital, todos estavam ansiosos. Juliana Hosenfeld se sentia culpada por ter levado Pacheco Filho para o flagrante de Renatinho Gordo. Lincoln Albuquerque pensava no caminho errado que as investigações do jornal tinham tomado. Matias Pacheco, pai do estagiário, apenas torcia para que o filho ficasse bem.

Algumas horas depois, Pacheco Filho despertou. O tiro pegara de raspão no pescoço do estagiário, que desmaiou com a perda de sangue.

- Pai – disse ele – me desculpe...
- Não se preocupe, garoto, apenas trate de ficar bem.
- Como está se sentindo?, perguntou Lincoln.
- Como um pano de chão sujo.

O diretor de redação riu e saiu do quarto. Matias foi atrás dele.
- Lincoln... Nós somos amigos há quanto tempo?
- Não sei... Uns quinze anos, eu acho...
- Então você sabe que pode confiar em mim. Eu não vou processar o jornal pelo que aconteceu. O garoto está bem, não se preocupe.
- Eu... Eu não achei que você ia processar o jornal. Você realmente pensou nisso? A culpa é do seu filho. Ninguém mandou ele ir atrás da polícia.
- Tudo bem. Não vou processar... Fica tranqüilo.
- E o que vai fazer?
- Vou aconselhar que ele mude de faculdade. Sejamos sinceros... Ele nunca teve jeito para ser jornalista mesmo.
- Acho que você deveria perguntar para ele se ainda quer ser jornalista. Ele pode ter tido uma epifania com isso tudo.
- Pode ser, mas eu duvido.
- Me mantenha informado. Eu preciso voltar para o jornal, já está tarde.

No quarto, Juliana se despedia do colega.
- Ei, Pacheco... Lembra que eu falei que não seria uma boa idéia sairmos juntos... Se você melhorar logo eu posso repensar meus conceitos.
- Vou melhorar – riu o estagiário.

Juliana beijou a testa de Pacheco e correu para pegar uma carona com Lincoln.
- Onde pensa que vai?, questionou o diretor de redação.
- Voltar para o jornal... Ainda temos muito trabalho...
- Não, Juliana. Foi uma grande irresponsabilidade o que você fez. Eu sei que a idéia foi sua e você nem deu satisfações para a Catarina. Vocês poderiam ter morrido lá!
- Mas nada aconteceu...
- Nada? Lamento, Juliana, mas eu vou ter que dispensar seus serviços como estagiária. Você tem muito potencial, mas precisa criar mais responsabilidade. Eu vou fazer uma carta de recomendação para qualquer outro jornal, mas no Primeira Página você não poderá continuar.
- Lincoln...
- Dê um tempo, fique de molho. Quando se formar, me procure outra vez. Talvez eu tenha uma vaga em uma editoria mais calma.

Cap 29 - Telefonema

Sem saber ao certo como recomeçar sua investigação, Bia pediu para que os contínuos lhe conseguissem as cópias dos documentos a que Santa Cecília teve acesso na época da prisão do filho de Paglia. Mas antes que o material chegasse, seu telefone tocou.

- É a repórter com quem eu falei mais cedo?, perguntava uma trêmula voz do outro lado da linha.
- Renatinho Gordo?
- Olha só, dona, não desliga porque essa é a única ligação que eu tenho. Lembra quando eu disse que não tinha nada a ganhar te ajudando? Isso mudou. Eu fui preso.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Cap 28 - Flagrante

A Polícia Federal preparara uma emboscada para um atravessador de drogas. Diziam que era alguém ligado ao tráfico no Complexo do Alemão. Quando o carro passasse por um posto de pedágio seria cercado e o motorista preso em flagrante.

Juliana Hosenfeld e Pacheco Filho conversavam, próximo de onde os policiais fariam a prisão.
- Ju, eu estava pensando… Você não gostaria de sair um dia desses, tomar uma cerveja, sei lá.
- Pacheco, você sabe o que eu penso de sair com gente do trabalho. Por que a gente não finge que essa conversa nunca aconteceu, hein?

Renatinho Gordo dirigia um Gol de modelo antigo. O porta-malas tinha um fundo falso, cheio de cocaína. O trabalho era simples: sair do Rio e deixar tudo em São Paulo. A parte mais difícil era a volta, quando o porta-malas vinha com dinheiro.

Quando o carro de Renatinho se aproximou do pedágio, ele achou estranho a movimentação dos policiais, mas tinha quase certeza de que não era nada demais. Só para garantir, tirou uma pistola do porta-luvas.

O Gordo pagou o pedágio e a cancela abriu. Quando o Gol ia arrancar, policiais cercaram o veículo. Juliana e Pacheco observavam logo atrás.

Acuado, Renatinho puxou a pistola e atirou sem jeito contra um policial. Juliana se assustou com o tiro e se jogou no chão. Assim que abriu os olhos, viu Pacheco Filho caído ao seu lado e uma poça de sangue que se formava.

Cap 27 - O deputado

Santa Cecília, Ramos, Lincoln e Chico Antônio voltaram para o jornal. Nada falaram no caminho, ainda um pouco incomodados pela morte de Braddock e Bronson. Assim que entraram na redação, cada um decidiu correr para adiantar o que ficara atrasado nas últimas horas desperdiçadas.

Quando Lincoln entrou em sua sala, se surpreendeu com um homem de terno, de pé, olhando para a rua pela janela. Carlos observava de longe, os dois conversaram por alguns minutos até que o colunista foi chamado à sala do amigo.
- Carlinhos, esse aqui é o deputado…
- Eu sei quem ele é — interrompeu Santa Cecília.
- Ele quer falar com você sobre…
- Pode nos dar licença — cortou novamente Carlos.

O deputado sentou-se em uma das cadeiras. Santa Cecília permaneceu de pé.
- É um prazer conhecê-lo, Santa Cecília. Leio sua coluna diariamente.
- Então — disse Carlos abrindo um sorriso — sabe que eu não gosto de você.
- Sim, eu sei, mas é porque nunca tivemos a chance de sermos apresentados. Na verdade, queremos as mesmas coisas… queremos o melhor para o Rio de Janeiro.
- Você só quer o melhor para você. E eu também não sou altruísta. O que você quer aqui?
- Nós temos um amigo em comum.
- Deixa eu adivinhar quem é… Por acaso ele tem dupla cidadania e foge para a Itália toda a vez que suja as calças?
- Acho que esta é uma das descrições mais interessantes que ouvi de Armando Paglia.
- Pois bem. Avise a Dom Armando que eu não vou sair da cola dele.
- Eu vim aqui pedir que, como uma favor pessoal a mim, você se afastasse de Armando, mas já que você está tão obcecado com a história tenho um convite a lhe fazer. Armando Paglia chega amanhã, às duas e quinze da tarde, no Galeão. Por que não vai lá para dar as boas-vindas pessoalmente?
- Eu não entendi… Você está me ameaçando? Porque isso não pareceu ameaça…
- Eu só quero o melhor para mim, você e Armando. Vamos seguir caminhos diferentes que tudo se resolverá.

O deputado saiu da sala de Lincoln, deixando Carlos sozinho, que anotava o horário do vôo de Paglia.

Cap 26 - Roma

Em Roma, Armando Paglia se despedia dos companheiros na prisão. Fora preso por um descuido. Enquanto a investigação de Santa Cecília o colocara contra a parede no Brasil, uma operação da Receita Federal italiana constatara fraude em suas empresas no país. Sem saber, Paglia foi preso assim que colocou os pés na Itália, fugindo da perseguição da imprensa brasileira.

Nunca se queixara de estar preso. As condições dos presídios europeus são muito superiores às de carceragens brasileiras. Mas durante seus dez anos de hospedagem forçada, seu filho morrera no Brasil. No decorrer de uma rebelião, os outros presos o fizeram de refém e o mataram, exigindo que novos colchões fossem colocados nas celas.

Armando Paglia sabia que parte da culpa era dele, que deixara o filho seguir seu caminho no crime organizado. Sabia também que parte da culpa era do próprio garoto, que apesar de muitas oportunidades de se afastar dos negócios da família preferiu o poder que o dinheiro ilícito traz. Mas era mais fácil culpar Carlos Santa Cecília, que motivou a imprensa a fazer uma caça às bruxas contra a família Paglia.

Um carro o buscou na porta do presídio e o levou direto para o aeroporto. No caminho, ele não quis parar para comer, para comprar roupas novas ou para usufruir dos serviços de uma prostituta. Armando só tinha uma coisa em mente: voltar para o Brasil e fazer com que Santa Cecília se arrependesse de ter escolhido ser jornalista.

Cap 25 - Impulso

Da equipe, apenas Catarina Casaverde, Juliana Hosenfeld e Pacheco Filho estavam no Primeira Página na hora do almoço. Catarina se revezava como editora, chefe de reportagem e diretora de redação, cobrindo os buracos deixados por Fagundes e Lincoln. Juliana e Pacheco procuravam informações para fazer pequenas notas que preencheriam lacunas na edição do dia seguinte.

Eles ligavam para os bombeiros em busca de um incêndio, para a assessoria do governador em busca de uma declaração surpreendente e para os hospitais em busca de casos graves. Em geral, não conseguiam nada de muito relevante.

Passava da uma da tarde quando o telefone tocou. Um homem que se identificara como amigo de Bia procurava pela repórter. Juliana atendeu. Ele dizia que tinha uma pauta para ela, que policiais fariam uma apreensão de drogas em uma rodovia federal. Ela agradeceu.

- Pacheco, não comente nada com a Catarina, mas eu acho que temos uma boa chance de mostrar serviço — disse Juliana.
- O que foi?
- Apreensão de drogas. Topa?

Normalmente, o estagiário diria que não. Além de não gostar de violência e da companhia de policiais, era avesso ao impulso, ao imediato. Mas como era um pedido de Juliana ele cedeu. Era a oportunidade de ficarem um tempo juntos for a da redação.

Saíram do jornal sem contar para Catarina onde realmente iam.

Cap 24 - Complexo do Alemão

Enquanto se aproximava do Complexo do Alemão, Bia Lacerda pensava que já deveria estar acostumada a entrar em favelas. Quem cobre Cidade inevitavelmente acaba seguindo a polícia em operações contra traficantes. E quem, como ela, quer se tornar uma referência no jornalismo, precisa aprender a correr riscos e entrar sozinho na toca das serpentes.

A repórter combinara com Fátima Macedo, uma antiga colega de faculdade que trabalhava em uma organização não governamental na favela. Era filha de um milionário, estudara na Europa na infância e abandonou tudo para tentar entender melhor as necessidades dos acuados pelo sistema. Fátima a levaria até um bar onde Renatinho Gordo jogava sinuca.

O estabelecimento era especialmente assustador. Num muro, marcas de balas denunciavam que inimigos do comando eram executados sem muita cerimônia. Um garoto sentado em um canto dava peteleco em bolinhas de gude. Na outra mão, um tresoitão.

-Renatinho tomava cerveja encostado no balcão. Fátima foi até ele e o chamou para ir à sede da ONG. Lá, Bia se apresentou.
- Então uma repórter teve a audácia de entrar na nossa área — desafiou o Gordo.
- Não é bem isso, Renatinho. Não tenho intenção de prejudicar ninguém. Só gostaria que você confirmasse uma informação para mim.
- Uma informação? E o que eu ganho com isso?, perguntou Renatinho, passando a mão na cintura da repórter.
- Eu sei que esta não é a sua preferência… Que você gosta de carnes mais macias… Se você me ajudar eu não conto para ninguém que você está aqui.
- Você acha que me ameaça? Eles sabem que eu estou aqui. Ninguém mexe comigo porque não é macho o suficiente! O que você quer saber afinal?
- Se foi Armando Paglia quem te contratou para seqüestrar Ana Santa Cecília.
- Você está me acusando de alguma coisa?
- Por favor, Gordo, não se faça de vítima. Você matou Cícero Andrade porque ele ajudou a Ana a sair do morro. Obviamente estava envolvido no seqüestro.
- Eu nem sei de quem você está falando…
- Da mulher do jornalista! A que estava grávida!

Renatinho Gordo andou de um lado para o outro coçando a cabeça.
- Eu tenho uma notícia boa e uma notícia má. A boa é que eu me lembro dessa história. A má é que eu não vou te contar nada, porque eu não ganho nada com isso — e saiu rindo.

Cap 23 - Cena do crime

Lincoln saiu do carro bufando, mas mesmo sem fôlego, acendeu um cigarro. Carlos Santa Cecília estava encostado no carro da polícia, enquanto Ramos conversava com os soldados.
- Carlinhos — disse o diretor de redação arfante — como é que você está?
- Estou bem… Já não posso falar o mesmo do Braddock e do Bronson.
- Meu Deus, Carlinhos. Você poderia ter morrido!
- Na verdade, não. Alguém veio aqui e matou os seguranças. Se quisesse, entrava na minha casa e me matava também. Além disso, se o Armando não me matou em dez anos é porque ele quer me matar pessoalmente. Desta forma, eu só devo morrer amanhã.
- Não brinca com isso…

Um dos policiais se aproximou de Santa Cecília.
- Bom, doutor, nós conversamos um pouco com o seu amigo da Polícia Civil e chegamos à conclusão de que o senhor não é suspeito. Mas por que o senhor precisa de seguranças? E quem mataria eles?
- Se você quer saber, eu preciso de seguranças porque estão querendo me matar. E quem os matou é problema de vocês.
- Se alguém te ameaçou de morte, por que não presta queixa?
- E acabar com toda a diversão? Não, obrigado.
- Então, é problema seu!

- O policial está certo — argumentou Lincoln. — Vá até uma delegacia e preste queixa.
- Baseado em quê? Em uma carta sem assinatura de alguém dizendo que está com saudades de mim?

O carro do Primeira Página estacionou na esquina de Santa Cecília. Chico Antônio saltou, cumprimentou Lincoln e Carlos e começou a preparar os equipamentos.
- Quem te chamou aqui?, indagou o diretor de redação.
- O Santa Cecília, quem mais?, rebateu o fotógrafo.
- Escute aqui, Chico — recomendou Carlos. — Faça umas fotos dos corpos e das armas que estão na caçamba. Será interessante mostrar que algum assassino de aluguel matou os seguranças e não levou o pequeno arsenal que eles guardavam.
- Mas isto está longe da nossa linha editorial, Carlinhos — contrariou Lincoln.
- Faça o que quiser. Venda para os jornais sangrentos, coloque em um porta-retrato, mas eu quero todas as etapas deste caso com imagens bem coloridas.
- E quanto ao italiano?, perguntou Lincoln ao fotógrafo.
- Que italiano?, interrompeu Carlos.
- Depois te explico — adiou o diretor de redação.
- Consegui uma ótima imagem dele — respondeu Chico Antônio. — Mas ele já estava esperando… E disse que o Armando mandou um abraço para você, Santa Cecília.

Cap 22 - Renatinho Gordo

Bia Lacerda sabia de uma coisa: não seria fácil encontrar Renatinho Gordo. E mesmo se ela o encontrasse, certamente ele não cooperaria, mas ela precisava tentar. A repórter foi até o morro em que Ana Santa Cecília fora mantida cativa e procurou o presidente da associação de moradores.
- Ele não mora mais aqui, não senhora — disse o pernambucano suspeito de envolvimento com o tráfico.
- Mas ele está vivo?
- Vivo está, mas não por muito tempo.
- O que quer dizer?
- Ouvi uma história aí de que ele estaria jurado de morte. Sabe como é, mexeu com a mulher errada.
- A mulher de um traficante?
- Pior, senhora, a filha de um traficante. O Renatinho Gordo gosta mesmo é de criança, na faixa de uns doze anos. Prefere menino, mas gosta de menina também.
- Ele é pedófilo?
- Se é pedófilo eu não sei, mas ele gosta de criança, se é que a senhora me entende. Foi por isso que ele foi expulso daqui. Geralmente, os moradores abaixam a cabeça para o pessoal do movimento, mas o Gordo arregaçou um garotinho. Aí os moradores ficaram roxos e foram atrás… Iam fazer uma passeata ali na avenida, mas os traficantes deram uma surra nele e o expulsaram.
- E para onde ele foi?
- Foi para este morro aqui do lado… É de facção rival, mas ninguém do movimento daqui ia aceitar ele depois de ter feito o que fez. O chefe do morro vizinho o acolheu e ele foi lá e mandou ver com a filha do cara.
- E ela está bem?
- Não, senhora. Graças a Deus morreu. Imagina a menina vivendo com a imagem daquele gordo nojento debruçado em cima dela…
- Onde eu acho o Renatinho agora?
- Ele sumiu daqui. Dizem que está lá no Complexo do Alemão, num pedaço que um primo dele controla. Dizem que faz transporte de drogas para São Paulo ou sei lá para onde. Mas ele não pode dar bobeira… Se pegarem ele um dia desses, vão cortar o pirulito fora… Me desculpe a grosseria, senhora.
- Complexo do Alemão?
- Mas a senhora nem pense em ir lá. O lugar é perigoso. E além do mais, o Renatinho Gordo não vai querer falar contigo. Você é muito velha para ele — e soltou uma larga gargalhada.

domingo, 24 de agosto de 2008

Cap 21 - Chico Antônio

Chico Antônio já estava há mais de uma hora parado no calçadão da Avenida Atlântica. Tudo bem que foi preciso acordar cedo para ir a Olaria, mas ficar a manhã toda debaixo do sol na beira da praia o estava deixando irritado. Já tomara duas águas de coco, mas o calor não dava trégua.

Tudo o que ele tinha era uma descrição. Pacheco Filho ouvira de um policial italiano que Gianni Tomasi era alto, forte, mas não musculoso, e tinha um bigode volumoso. Podia ser apenas o palpite de um fotógrafo acostumado a cobrir crime, mas Chico tinha certeza de que o italiano parrudo não tinha mais bigode.

Um homem saiu do hotel onde Juliana Hosenfeld garantira que Tomasi estava hospedado. Ele se encaixava perfeitamente na descrição, exceto pelo bigode, obviamente. Chico o seguiu por um quarteirão, até uma loja de calçados. O homem tinha sotaque gaúcho, não era o capanga de Armando.

Chico voltou correndo para a porta do hotel, apenas tempo suficiente para ver outro homem que se encaixava na descrição que Pacheco lhe dera pegar um táxi. O fotógrafo correu até o carro do Primeira Página, onde Seu Soares, o motorista, quase cochilava.

Os dois seguiram o táxi por quinze minutos, até que o provável Tomasi saltou em um shopping de Botafogo. Chico correu para o shopping, tentando se adiantar ao grande italiano. Parou próximo a uma escada rolante e quando Gianni se aproximou, Chico fez a foto.

Tomasi sorriu, ajeitou o cabelo e perguntou, em um português muito acentuado:
- Quer bater mais uma? Mande um abraço de Dom Armando Paglia para Carlos Santa Cecília.

Cap 20 - Balanço do primeiro dia

Quando Lincoln Albuquerque chegou à redação, se surpreendeu. Não só Cosme Fagundes e Catarina Casaverde já estavam, como Bia Lacerda e os estagiários também. Carlos Santa Cecília ainda não havia chegado, mas se este chegasse antes do almoço já era grande coisa.

- Posso falar com você, Lincoln?, perguntou Fagundes.
- Claro, rapaz, entre. Em que pé estamos?
- Acho que a coisa já progrediu bem. Juliana e Pacheco têm uma pista de um possível capanga do Armando. É um italiano que estava preso com ele. O Chico Antônio está na rua tentando uma foto do cara.
- E a Beatriz?
- A Bia entrou em contato com a viuva do cara que ajudou a mulher do Santa Cecília a escapar do seqüestro. Ela deu um nome, que a Bia está checando. Acho que é um bandido, mas a gente nem sabe se ele ainda está vivo.
- Catarina?
- Ela está atualizada. Passou uns contatos para ajudar a Bia e está tentando falar com o Santa Cecília.
- Isso é impossível. Ele só fala comigo — riu o diretor de redação. — E você?
- Achei que nunca ia perguntar… Recebi um telefonema, não sei de quem, mas citou uma de minhas melhores fontes. Disse que queria falar comigo, me passar umas informações. Será que eu posso tirar a tarde de folga? Se não for nada eu volto depois do almoço…
- Tudo bem, pode ir. Eu fico na chefia de reportagem hoje.
- Obrigado, Lincoln.

Assim que Fagundes saiu de sua sala, Lincoln pegou o celular para ligar para Santa Cecília. Chamou, chamou e ninguém atendeu. Caiu na caixa postal. Até que o colunista atendeu.
- Carlinhos, eu já estava preocupado. O pessoal do jornal quer falar com você. Como é que é? Meu Deus, eu não acredito… Estou indo te encontrar!

Cap 19 - First blood

Carlos acordou mais cedo que o de costume. Eram dias importantes e ele não podia se dar ao luxo de perder valiosas horas dormindo. Foi até a porta e pegou os jornais. Assinava três diários do Rio, mais dois de São Paulo, dois de economia e um de esporte. Destes, lia apenas o Primeira Página e mais um, além de algumas outras matérias esporadicamente. Quando abriu a porta, ainda viu a pick-up preta com Braddock e Bronson do lado de dentro, ainda observando sua casa por trás dos óculos escuros. Ramos já ia chegar para acompanhá-lo ao jornal.

Carlos voltou para dentro, tomou um banho rápido e se arrumou. Passou os olhos pelas capas dos jornais, separou alguns cadernos para ler no caminho e saiu. Ramos acabara de chegar com seu carro, que ficara com o policial na noite anterior.

- E aí, seu Santa? Passou a noite em paz?
- Bem tranqüilo, como você havia dito.
- Viu? Meus camaradas são boa gente. Não conversam em serviço e não atrapalham ninguém durante a patrulha. Pode ir entrando, seu Santa, eu vou só falar com os meninos.

Ramos foi até a pick-up e bateu no vidro. “Devem estar dormindo, esses folgados”, pensou o policial. “Deixa os garotos, Ramos, devem estar exaustos por ficar de tocaia a noite toda”, gritou Santa Cecília.

O obeso policial civil chegou bem perto do vidro, mas nada conseguiu ver do lado de dentro. Então, foi para a frente do carro, olhar através do para-brisa dianteiro.

- Putaqueopariu!, gritou Ramos andando para trás. Carlos saiu do carro na direção do policial.
- O que foi, Ramos?
- Eles… eles tão mortos!

Cap 18 - Antes das sete da manhã

Logo nas primeiras horas do dia, Bia Lacerda e o fotógrafo Chico Antônio foram para Olaria. No caminho, Chico reclamou da hora, ainda não eram sete da manhã, mas ele sabia que apenas chegando cedo seria possível encontrar uma mulher. Fabiana Andrade era viúva de Cícero, o homem que ajudou Ana Santa Cecília a fugir do cativeiro.

Bia tinha o endereço da mulher. Conseguiu com uma coleguinha de uma rádio que costumava cobrir os tiroteios na região. Ela tinha uma rede de informantes entre padeiros, jornaleiros e entregadores de jornal. Um destes lhe disse onde morava o mulher de sobrenome Andrade que se mudara com dois filhos pequenos há exatos dez anos.

A casa era muito simples, não tinha nem campainha. Bia bateu palmas três vezes, no que uma mulher magra e abatida chegou à janela.
- Pois não?

A mulher olhava com desconfiança para Bia e Chico e o carro com o logotipo de Primeira Página não ajudou muito. Bia não tinha certeza se era ela, mas decidiu arriscar.
- Fabiana? Meu nome é Beatriz, eu preciso falar com você.
- Eu lamento, não sou Fabiana.
- Por favor. Seu marido ajudou um amigo meu há alguns anos. Ele pode estar correndo risco novamente.
- Meu marido morreu porque ajudou a mulher do repórter a sair do morro. Desculpe, dona, mas a minha relação com a imprensa já acabou.
- Por favor, Fabiana. É muito importante.

A mulher chegou a entrar novamente em casa, mas saiu novamente e deu a Bia um papel amassado.
- Não sei nem se ele está vivo, mas foi ele quem executou o meu Cícero. Se quiser pedir ajuda a alguém, peça a ela.

Ainda no meio da rua, Bia desamaçou o papel. Lá, apenas um nome estava escrito, mais nada. Nem telefone nem endereço. Apenas um nome. Renatinho Gordo.

Cap 17 - Gianni Tomasi

- Yeah, I need some information… No, I don’t speak italian. Do you speak portuguese? So, what’s the big deal? I told you, I don’t speak italian! Can you fucking help me?

Pacheco Filho se esgoelava no telefone, implorando um pouco de ajuda das autoridades italianas. O problema é que autoridade é igual em qualquer país e nunca quer ajudar a imprensa. Depois de mais de uma hora de ligação internacional e de ser transferido para todos os setores possíveis, Pacheco conseguiu uma promessa de que um e-mail seria mandado para a caixa de mensagens dele. Após uma longa espera, o e-mail chegou. Nele, uma lista de todos os presos que tiveram contato direto com Armando Paglia na cadeia italiana. Tinha o nome dos companheiros de cela, daqueles com quem conversava nos banhos de sol e dos que dividiam a mesa com ele durante as refeições. Alguns nomes apareciam em todos os grupos. Entre eles, um chamou a atenção do estagiário.

- Ju, olha isso!
Juliana Hosenfeld se aproximou. Pacheco apontou o nome de Gianni Tomasi. Ele parecia ser uma das pessoas mais próximas a Dom Armando na prisão.
- E sabe o que é mais interessante?, desafiou Pacheco Filho.
- O suspense está me matando — debochou a estagiária.
- Tomasi foi libertado. Há dois meses. Os advogados de Paglia conseguiram que Tomasi saísse na condicional.
- Estamos no caminho certo. Vou investigar o que puder.

Juliana, disfarçadamente, foi até a mesa de Bia. Lá, a bolsa aberta da jornalista deixava desprotegida sua agenda. A estagiária pegou a preciosidade, agachou atrás da mesa e rabiscou alguns números numa folha solta de papel. De volta ao seu computador, fez uma breve pesquisa e alguns telefonemas.

Gianni Tomasi tinha relações com a máfia. O problema dele começou quando foi preso e entregou alguns antigos companheiros da Cosa Nostra. Na cadeia, passou a ser caçado pelos outros mafiosos. Isso, até a chegada de Paglia. Dom Armando acolheu o forte italiano e logo se tornaram amigos. Com a liberdade condicional, não seria difícil imaginar que Tomasi tinha uma dívida de gratidão com Armando.

- Ei, Pacheco, ouve só… Eu não achei o Tomasi em lugar nenhum da Europa…
- Mas…
- Mas, descobri que ele está no Brasil. Um contato da Bia confirmou que o italiano chegou ao país pelo aeroporto Luiz Eduardo Magalhães, em Salvador. Só que na semana passada ele fez reservas em um hotel do Rio. Ele nunca fez o check-in no hotel, mas pelo menos isso indica que ele viria ou veio para a cidade.

Cap 16 - Esquadrão da morte

- Sabe, seu Santa, a gente precisa cuidar da sua segurança da melhor maneira possível — disse Olavo Ramos. O obeso policial dirigia o carro do colunista enquanto o levava para casa. — Eu sei que você pediu para eu me dedicar à sua segurança em tempo integral, mas umas pessoas não concordaram com isso. Sabe como é?, eu sempre faço uns trabalhinhos por fora. Mas fica tranqüilo, seu Santa, eu vou ficar na sua cola o dia inteiro, mas de noite tem dois camaradas meus que vão vigiar a sua casa. São gente boa. Eles eram policiais, mas foram afastados depois daquela encrenca, tá lembrado?

Santa Cecília lembrava bem a encrenca em que Ramos se metera alguns anos antes. Ele e uns amigos da corporação subiram um morro e executaram uma quadrilha inteira. Cinco bandidos mortos. Mas eles não estavam em missão, por isso mataram mais oito testemunhas. A chacina foi capa em todos os jornais. Todos os policiais foram expulsos, menos Ramos, que sabe-se lá porque tinha bons contatos. Amargou uma suspensão de dois meses e voltou à ativa.

- Você quer colocar o esquadrão da morte pra tomar conta de mim?
- Me entenda, seu Santa, ninguém entende de serviço sujo melhor do que eles. Esses seus chapas do jornal podem achar que as ameaças do Dom Armando são brincadeira ou exagero, mas eu e você sabemos que o cara gosta de sangue.
- Mas não corre o risco de eles se venderem para o outro lado?
- Não… Foi um pedido meu. Eles não brincam comigo. Se não fosse o Olavão aqui eles estariam morrendo de fome. Eu sempre garanto uns bicos pros meus camaradas.
- Se você está dizendo…

Ramos estacionou na porta da casa de Santa Cecília. Os dois seguranças já aguardavam numa pick-up preta com vidros muito escuros. Na caçamba, Carlos notou uma larga coleção de armas de grosso calibre. Os dois ex-policiais estavam todos de preto, óculos escuros e jaquetas, mesmo sendo uma noite relativamente quente. Ramos cuidou das apresentações.
- Seu Santa, esses aqui são o Braddock e o Bronson. Esses não são os nomes deles, mas é melhor que o senhor não saiba quem eles realmente são — Então, virou-se para seus camaradas. — Pessoal, esse aqui é o seu Santa. Mas como vocês não têm intimidade com ele, vão chamar o meu amigo de Doutor Santa Cecília, compreendido?

Os dois acenaram com a cabeça. Ramos acompanhou Carlos até a entrada da casa.
- Os homens vão ficar aqui a madrugada toda. Eles não dormem de jeito nenhum. Se precisar de alguma coisa, pode me chamar, mas fica tranqüilo. Você não vai ouvir nem um sussurro enquanto estiver dormindo. Boa noite, seu Santa. Dorme despreocupado.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Cap 15 - Primeiros passos

Bia estava especialmente empenhada nesta cobertura. Levantou todas as informações possíveis sobre Dom Armando, todas as acusações contra ele. Por fim, não encontrou nada consistente o suficiente para colocá-lo de volta na cadeia.

- Precisamos de ajuda — disse a repórter aos estagiários.
- O que precisar — respondeu Juliana.
- Alguma coisa deve ter acontecido enquanto ele estava na cadeia. Gente presa costuma falar demais, porque acha que nunca vai sair de verdade. Procurem quem estava preso com ele. A mesma coisa com o filho. Descubram qualquer ameaça que eles tenham feito nos últimos anos, mesmo que seja vazia. Precisamos saber onde ele vai começar.
- Tudo certo — afirmou a estagiária.

Juliana e Pacheco correram, cada um para seu telefone. Mas Bia sabia que aquilo não era suficiente. Ela precisava ir a campo, descobrir tudo sobre o seqüestro de Ana. Por mais que a polícia jamais conectara Paglia ao rapto da mulher de Santa Cecília, não havia ninguém que desconfiasse do contrário.

Sozinha, ele subiu o morro atrás de alguma pista. Conversou com a associação de moradores e até com alguns traficantes, mas depois de tantos anos, o morro mudara e ninguém que tivesse alguma relação com o caso ainda estaria por ali.

Na associação, ela conseguiu apenas uma informação. Era a lista de todos os moradores mortos no morro. Mas também daqueles que se mudaram de lá. Com sobrenomes semelhantes, ela achou, nas duas listas, algo que pudesse lhe ajudar. Um trabalhador morto, Cícero Andrade. Assassinado um dia após a libertação de Ana Santa Cecília. E três pessoas que fugiram do local na mesma semana. Todas da família Andrade.

Cap 14 - Fama

Santa Cecília voltou para o Primeira Página acompanhado de Olavo Ramos. Na sala de reuniões, Lincoln, Fagundes e Catarina já o aguardavam.
- Aposto que não é uma festa surpresa!, disse o colunista.
- Não, não é — respondeu Lincoln. — Você enlouqueceu, Carlinhos?
- Não que eu me lembre…
- Uma ameaça de morte e você não fala nada…
- Faria alguma diferença se eu lhe contasse?
- Toda a diferença! Você seria afastado da cobertura.
- Não sei se você se lembra, mas eu não estou na cobertura. Eu deleguei funções. Sou apenas o cara que vai ler as matérias antes de serem publicadas.
- Não tem graça — interrompeu Fagundes. — Estamos falando em risco de vida!
- Como se você se importasse… E além do mais, é a nossa oportunidade.
- Oportunidade de quê?, questionou Lincoln.
- Você sabe… O de sempre…
- Se você está procurando fama, a coisa vai engrossar entre nós.
- Fama? Não. Fama é o que ofereço a estes pobres coitados para eles me ajudarem. O que eu quero é esse cara longe da minha filha e da minha mulher.
- Ex-mulher.
- Que seja. Se vocês descobriram o lado podre das minhas intenções e quiserem cair for a, não tem problema. Mas eu já estou até o pescoço com esse caso e não dá mais para desistir.

Carlos saiu batendo a porta e deixou um clima desconfortável entre os que permaneciam na sala de reuniões. Principalmente para Ramos, que nem conhecia os demais.
- E aí? O que vamos fazer?, perguntou Lincoln.
- Não sei quanto a vocês, mas eu estou dentro — afirmou Catarina.
- Mas… e se a coisa esquentar?, indagou Fagundes.
- Aí vocês deixam com o titio aqui!, encerrou Ramos.

Cap 13 - O seqüestro

Quando Carlos acordou, achou estranho que a esposa não estivesse em casa. Ligou para o consultório, onde a secretária confirmou que Ana lá estivera, mas que sua consulta terminara há horas. Ele ainda aguardou alguns minutos antes de se convencer do pior. Levantou-se e foi à delegacia prestar queixa do desaparecimento da mulher.

No cativeiro, Ana era torturada. Apanhou um pouco e levou choques elétricos. Toda vez que ela perguntava o que os seqüestradores queriam, recebia silêncio como resposta. Ela passou alguns meses em um barraco úmido, comendo arroz com feijão frio, em um morro que seus captores jamais mencionavam o nome.

No começo, a fé de que Santa Cecília resolveria a situação a mantinham sã, mas quando começou a sentir contrações, ficou desesperada. Gritou muito, implorou socorro, mas foi amordaçada pelos algozes. Vez ou outra, via um velho bem vestido, de chapéu panamá, que ria de sua situação.

“Isto tudo é culpa daquele maldito jornalista. Espero que você se lembre disso quando sair daqui”, dizia ele a cada nova visita.

Quando a menina nasceu, ainda prematura, ela foi abandonada sozinha no cativeiro. Um vizinho do barraco a encontrou e chamou a polícia. Carlos a esperava no pé do morro, com lágrimas nos olhos.

Eles viveram juntos por mais algum tempo. Ele se sentia culpado pelo que aconteceu com a mulher. Ela achava que a situação limite que vivera a unia ao marido. Mas a verdade é que eles não tinham mais vida juntos. Carlos foi embora, deixando para trás tudo o que tinha. Se mudou provisoriamente para a casa de Lincoln, que acabara de se divorciar novamente. Nos bolsos, apenas o suficiente para o almoço do dia seguinte.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Cap 12 - 1998

Ana acordou cedo, se despediu de Carlos e saiu. Ainda eram 9h da manhã e todo mundo sabe que Santa Cecília só acorda depois de meio dia. Isso sem falar que ele ganhara um dia de folga após a capa com a prisão do filho de Paglia.

Na noite anterior, Carlos e a mulher ficaram deitados no sofá, olhando para o teto enquanto se abraçavam. Depois de semanas de insistência, ele cedera. Enfim o nome da filha ia ser escolhido: Tereza.

Ela se preparava para mais uma ultrassom. Queria confirmar o sexo para saber que todo o seu esforço em convencer o marido não havia sido em vão. Afinal, eles combinaram. Se fosse menino, Carlos escolhera o nome Adamastor para a criança. Deus havia de proteger aquele feto e fazê-lo ser menina.

No consultório, a médica confirmara. Era Tereza quem iria nascer em mais um mês ou pouco mais. Ela estava radiante.

Já na rua, enquanto tentava voltar para casa, sentou-se no carro e já pensava em como iria contar ao marido a boa notícia. Isso, até um senhor de chapéu de palha bater na janela do carro muito sorridente.

Cap 11 - O início

“Em dois dias estou voltando. Mal posso esperar para nos encontrarmos novamente. Diga à Ana que eu ainda sinto a falta dela. Nosso reencontro vai ser de matar.”

Quem assinava a carta tinha as iniciais A.P., as mesmas de Armando Paglia. Poderia parecer uma carta de um amigo, mas era claramente uma ameaça de morte.

Em 1998, Carlos Santa Cecília era o mais conhecido jornalista do Rio de Janeiro graças à sua teimosia. Quando cismava com alguém, ele investigava a fundo a vida da pessoa. Foi o que aconteceu com Paglia. Após um assalto na casa do empresário, os dois bandidos apareceram mortos. As mãos e pés decepados e marcas de queimadura garantiam que as sessões de tortura haviam sido demoradas.

No mesmo dia, Santa Cecília entregou a Lincoln sua pauta. Passou duas semanas falando com todas as autoridades possíveis: Polícia Federal, Ministério Público, Ministério da Justiça. Alguém decidiu dar ouvidos a ele e começaram a investigação Macaco Prego.

Durante quatro meses, Santa Cecília foi a sombra de Paglia. Até almoçavam no mesmo restaurante. Em tom de ousadia, Dom Armando até cumprimentava o jornalista. Isso até que a polícia conseguiu um mandado de busca e apreensão na casa dele.

Na ocasião, nada foi provado contra Paglia, mas alguns documentos comprometiam seu filho mais velho, que acabou preso em cela comum porque ainda não tinha terminado a faculdade. E a manchete do Primeira Página do dia seguinte ainda humilhava o garoto. Dom Armando ficou furioso.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Cap 10 - A carta

Durante o almoço, Lincoln e Fagundes pouco falaram. No máximo, comentaram o jogo de futebol da noite anterior e o tamanho das coxas da garçonete. Ficaram por isso mesmo. Mas quando voltaram para o jornal, Cosme Fagundes não se furtou a comentar o que vira na sala de Santa Cecília.

- Você viu a carta?
- Que carta?, questionou Lincoln.
- A carta que o Santa Cecília recebeu.
- Acho que não é o tipo de coisa que ele comentaria comigo. E também não é o tipo de coisa que ele comentaria contigo.
- Eu li por engano.
- Não faz diferença. Se é coisa do Carlinhos, deixe para lá.

Fagundes saiu decepcionado da sala de Lincoln. Pensou em mandar um e-mail para o diretor de redação, mas achou melhor deixar tudo como estava. Se ele não queria saber, talvez fosse o melhor. O próprio Fagundes preferia desconhecer o conteúdo da correspondência.

- E aí, Cosme?
- O que foi, Catarina?
- Alguma novidade? Você está com cara de quem está escondendo alguma coisa. Me diz o que eu preciso saber…
- A única coisa que eu posso te contar é que o Santa Cecília vetou a participação do Chico Antônio. Ele disse que ninguém pode ser escalado para esta cobertura. As pessoas têm que se oferecer.
- Que bobagem!
- Na hora eu também achei, mas agora eu até acho que ele está certo.
- Não seja por isso. Eu conversei com o Chico e ele disse que adoraria fazer as fotos para uma matéria coordenada pelo Santa Cecília. Mas eu aposto que não era isso que você estava guardando só para você.

E não era, mas não seria para Catarina Casaverde que ele contaria o conteúdo da carta que Santa Cecília recebera. Fagundes passou algum tempo olhando para a sala de Lincoln, até o que diretor de redação lhe chamou.
- Pelo amor de Deus, Fagundes. Se há algo que eu deva saber me conte logo!

Fagundes parou por um momento. Talvez não devesse mesmo falar o que estava no papel branco que ele derrubara no chão na sala do colunista. Mas a informação poderia ser vital tanto para Santa Cecília quanto para todos os envolvidos na cobertura.

- Carlos Santa Cecília vai morrer.

Cap 9 - Olavo Ramos

Carlos Santa Cecília almoçou um joelho com refresco numa pastelaria qualquer da Gomes Freire. Depois foi até a frente da sede da Polícia Civil e ficou esperando. Acendeu um cigarro na ponta do outro até que quem ele esperava apareceu.
- Seu Santa. Não esperava te ver tão cedo!

O nome dele era Olavo Ramos. Policial civil há mais de três décadas. Vivia sendo investigado pela corregedoria. Era acusado de participar de grupos de extermínio e de milícias. Só negava o último.

Ramos e Santa Cecília se conheceram dez anos antes. Desde então, ele virara uma fonte importante para o jornalista. Carlos descobriu que era só pagar um almoço para o obeso policial que rapidamente todos os podres da força vinham à tona. Mas agora Santa Cecília não precisava de informações.

- Ouvi dizer que você está para se aposentar — comentou o colunista.
- É verdade.
- O que te impede.
- Você sabe, seu Santa. Aqui na polícia a gente acaba sempre ganhando um por fora.
- Te pago o dobro do que você recebe no contracheque se você sair da polícia.
- E o que você quer?, perguntou Ramos.
- Segurança.

Cap 8 - Ex-mulher e filha

Santa Cecília se casou com uma mulher muito mais nova. Ele já era bem conhecido e ela acabara de sair da faculdade. Trabalhavam juntos no Primeira Página. Ela não entendeu quando ele insistiu para que ela aceitasse um emprego como assessora de imprensa. Era o pretexto para que os dois se casassem. Afinal, Carlos queria filhos e dois jornalistas com horários irregulares não poderiam formar uma família.
O casamento durou seis anos. Nos três primeiros, eles foram muito felizes. Carlos chegou a mudar. Ficou mais amável com os colegas e se irritou menos com situações comuns na vida de todos nós. Nos três anos seguintes, pareciam que eles estavam juntos apenas porque um passado de muito medo os unia. Era como se eles tivessem uma dívida para com o outro, que deveria ser paga com a eternidade.
Mas Ana, a esposa, não agüentou e saiu de casa com a filha Tereza.

- Que dinheiro é esse, Carlos?
- Você não passou todos esses anos exigindo o divórcio? Está aqui a metade de todo o meu dinheiro.
- O que você quer com isso?
- Quero que você suma daqui. Vá embora e não volte até que eu diga que é seguro.
- O que você está me escondendo? É o Armando Paglia?

Carlos não respondeu. Deu uma volta pelo apartamento que dividiu com a mulher e foi surpreendido pela filha, que chegara da escola. Eles conversaram um pouco até que ele disse que precisava ir. Ana o alcançou no corredor.

- É o Armando Paglia, não é? Ele está voltando para o Brasil?
- É. E eu não quero que vocês estejam por aqui quando ele chegar.
- Mas você deveria sair também. Ele vai atrás de você.
- Eu sei. Mas eu não posso mais me esconder. Não como eu fiz antes.

Santa Cecília foi embora. Antes que o dia terminasse, Ana e Tereza sairiam do País sem contar seu destino para ninguém além dele.